Entrevista com "o Gordo"

Devo meu programa de entrevistas a Silvio Santos, diz Jô Soares
ALBERTO PEREIRA JR.
FOLHA DE SÃO PAULO
 
 Comemorando em 2013 25 anos à frente de "talk show", Jô Soares, 75, inverte o papel e concedeu uma entrevista à Folha de São Paulo:
 
  Folha - O que levou você, há 25 anos, trocar o sucesso como humorista na Globo para virar entrevistador?
Jô Soares - Não troquei o humor. Apenas deixei de fazer programas de quadros depois de 17 anos, com mais de 200 personagens criados. Chega uma hora que você começa a achar repetitivo, apesar de me divertir muito. Sempre tive vontade de apresentar um programa de entrevistas, achava que podia fazer desde que trabalhei com o Silveira Sampaio (1914-1964), onde fazia entrevistas externas e em outras línguas. Assisti a uns programas "Tonight Show", com o Jack Paar, depois com o Johnny Carson e percebi que todos os cabeças desses "talk show" eram comediantes, porque era um programa de humor, tem também humor, com a vantagem de poder ter entrevistas sérias, que chamamos de utilidade pública.
É muito chato entrevistar apenas um deputado e um senador sem que haja uma motivação. Mas quando acontece um mensalão, fazemos o quadro "As Meninas do Jô".
Quando aconteceu o caso do impeachment do Collor, falavam que havia CPI de dia no congresso e CPI do Jô à noite.
 
Folha-Como foi a decisão de trocar a Globo pelo SBT?
Jô Soares-Eu achava que era o momento de fazer isso. Na época, não havia espaço para um programa de entrevistas na Globo. O Boni achava que não havia espaço, apesar de ele ser um fã desse tipo de atração.
Fizemos uma tentativa, com um programa chamado "Globo Gente", mas era em plena ditadura, esse tipo de programa não pode ser feito com censura, como vai mandar as entrevistas antes? Não dá! O programa não teve perna longa.
  Quando achei que tinha de fazer, recebi uma proposta do SBT, juntamente com um programa de humor. O que me levou para o SBT foi a possibilidade de fazer programa de entrevistas. Graças a Deus, eu estava certo. Saí muito bem da Globo, de portas abertas, tanto que 11 anos depois, pude voltar e retornei com muita alegria.
Também quando saí do SBT, o Sílvio Santos disse que se algo não desse certo, eu poderia voltar, que as portas estavam abertas, mas que ele sabia que daria muito certo.
Até brinquei com ele: "Por que você não vai comigo também?". E ele disse: "Acho que não é uma má ideia". (risos)
Tanto é que vai ser lançado um DVD com os 25 anos de entrevistas. Numa parceria Globo e SBT, com entrevistas do primeiro ano até agora. Esse tipo de parceria é benéfica, não que houvesse essa intenção, mas o programa ficou uma espécie de registro da história do Brasil desse período.
 
 Folha- Nesses 25 anos, mudou muito o perfil dos entrevistados?
Jô Soares-Vão mudando os entrevistados e, quando volta um convidado, retorna para falar de outra coisa. Como é um programa que vive de convidados, ele está sempre se renovando. Não se preocupa em mudar a abertura ou o cenário, você faz pequenos ajustes.
 É um programa que vive do dia a dia. Às vezes você lamenta de pessoas que passam pelo Brasil, mas não passam na época de gravar. No possível, a gente se preocupa em estar pesquisando, se atualizando e atendendo a muitas sugestões de pautas. Tem gente que tem sugestões de pessoas desconhecidas, que se transformam em sucesso.
O programa não tem censura, não tem limite, não tem barreira. Ele só existe nesse formato, de total liberdade.
Fico muito gratificado pela confiança que eu adquiri de poder resolver editorialmente o que é dito no programa. Isso não é dado para qualquer pessoa. Há uma confiança por causa dos 25 anos de entrevistas e 53, 54 anos de profissão. Só vou contar quando chegar aos cem... (risos).
 
Folha-  Quais foram as entrevistas mais marcantes e quem você não conseguiu entrevistar?
Jô Soares-Isso é difícil. Em entrevistas marcantes você pode botar o Roberto Carlos, o Chico Buarque, mas tem que botar também o gago que se candidatou a vereador... pessoas desconhecidas que foram um sucesso. Espero que a entrevista mais marcante seja sempre a próxima.
São mais de 13 mil entrevistas. Tem umas que ficaram, que foram históricas, como a do Luís Carlos Prestes, porque criamos uma intimidade durante a conversa que eu nunca tinha visto nada parecido em entrevistas dele. Acho que isso acontece pelo tratamento de você que eu dou a todo mundo. "Você" não é um tratamento de desrespeito. Não posso, num programa em que entrevisto do presidente da República a um sapateiro, tratar um de senhor e outro de você. No Brasil, o tratamento de senhor é dado não por respeito, mas por uma diferenciação de classe social. Falta de respeito não tem a ver com o pronome de tratamento, basta ver na Câmara dos deputados que eles se tratam de "filha da puta", de "Vossa Excelência, o canalha"...
Esse achado, que foi uma coisa espontânea, foi muito importante para o programa.

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