Arte brasileira em território germânico

RAQUEL COZER
EM FRANKFURT

Para a Folha de São Paulo
Cerca de 20 crianças alemãs fazem fila para entrar no útero de Lygia Clark (1920-88). Nenhuma delas jamais ouviu falar na artista brasileira, mas isso não as impede de quererem ser concebidas, geradas e dadas à luz na instalação "A Casa É o Corpo" (1968), que recria o nascimento. "Bem-vinda à vida!", graceja uma segurança a uma menina que conclui o périplo.
A considerar as 3.000 pessoas que passaram por ali desde a abertura da mostra "Brasiliana", cinco dias antes, não é uma piada nova. "Nunca vi os seguranças se divertirem tanto", diz a curadora Martina Weinhart, que passou dois anos selecionando as obras que ficam até janeiro na galeria Schirn, uma das maiores de Frankfurt, no microcentro histórico da cidade.
A mostra integra a programação local em torno do Brasil, convidado de honra da Feira do Livro de Frankfurt deste ano. Seu conteúdo surpreendeu até Weinhart, que, em 30 anos de curadoria, nunca tinha ouvido falar em Lygia, Cildo Meireles e Tunga, para ficar em três dos mais famosos selecionados.
"Eles são muito conhecidos no Brasil, mas aqui não. É tudo tão sensual", diz, antes de ter a voz abafada pelos risos da obra sonora "rio oir" (2011), de Cildo.
Dos dois mais jovens expostos, Henrique Oliveira, 40, e Maria Nepomuceno, 37, ela conseguiu obras exclusivas -respectivamente, como define, uma "gruta de compensados de favela" e uma "experiência brasileira em Marte".
JEITINHO "BRASILÊS"
Mais conhecido na Alemanha do que no Brasil é Zé do Rock, 57, que há duas décadas habita território germânico e lança agora livro de forte sotaque "brasilês".
"Per Anhalter Durch die Brasilianische Galaxis" (de carona pela galáxia brasileira), resultado de três meses de viagem, foi um dos títulos preparados para esta edição da feira pela A1 Verlag, editora "klein, aber fein" (pequena, mas fina) que também publica João Paulo Cuenca e Ana Paula Maia. O lançamento lhe rendeu espaço no nobre Sofá Azul, com entrevistas gravadas para a TV alemã.
Zé do Rock não é uma estrela. Está para a cena literária alemã como o poeta marginal Chacal para a brasileira, como diz o poeta brasileiro Age de Carvalho, que vive em Viena. Mas não passa despercebido. "To em fremt do stand de informassoes.
Eu tenho ropa colorida", escreve, no "brasilês" que inventou, em SMS enviado para se identificar. Logo é localizado: veste calça amarela, camiseta azul, casaco branco, tênis com cadarços abóbora e mochila preta e cinza.
O livro novo é seu quinto, dos quais só um, de 1998, saiu no Brasil, como "Zé do Rock - O Erói sem Nem Um Agá" (L&PM, esgotado).

CAPITAL DO CRIME
Toda vez que vai à Feira de Frankfurt, a 153 km de Stuttgart, onde mora, Zé do Rock se lembra de São Paulo. "O que São Paulo é em termos de cidade a Feira de Frankfurt é em termos de feira. Um monstro", diz. E vê outra semelhança: "A criminalidade em Frankfurt está igual à de São Paulo. Lá diminuiu, aqui aumentou".
A fama de capital do crime da Alemanha não é um título que Frankfurt ostente com orgulho como o de maior centro financeiro do país. A cidade lidera há mais de duas décadas pesquisa anual do Departamento Federal de Criminalística da Alemanha. Tem cerca de 700 mil habitantes e média de 16 mil delitos a cada 100 mil pessoas.
Não é algo que o morador perceba tanto, mas o turista pode reparar de primeira. O maior índice de furtos acontece com desprevenidos no aeroporto. Fora de lá, terá mais chance de conhecer a violência local quem se aventurar pela zona de prostituição.
SEM DESPRENDIMENTO
Por falar em delitos, quem anda frequentando as páginas policiais do "Frankfurter Allgemeine Zeitung", maior jornal da cidade, é um bispo católico em Limburg (a 76 km de Frankfurt).
Franz-Peter Tebartz-van Elst já andava na mira da imprensa pelo pouco desprendimento material.
Resolveu processar a "Der Spiegel" após texto da revista afirmar que ele tinha ido visitar crianças pobres da Índia viajando em primeira classe, mas acabou acusado de prestar falso testemunho na ação.
Na última terça, o "Frankfurter" informou que a já polêmica construção de sua imensa casa custou não os "meros" 15 milhões de euros que se pensava, mas 31 milhões (R$ 93 milhões).
Na quinta, o arcebispo alemão Robert Zollitsch disse que recomendaria ao papa Francisco, famoso por defender uma vida modesta, tirar Tebartz-van Elst do cargo.

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