LONDRES 2012: o racismo na Eurocopa- Por José Trajano

O lobo solitário, que percorre as ruas de Londres de casaco de veludo porque começou a esfriar à noite, pede licença aos Jogos Olímpicos e fala hoje de futebol. Ou melhor, do racismo no futebol.

Os ingleses estão para lá de temerosos com o que pode acontecer aos cinco mil torcedores que viajarão à Polônia e Ucrânia para acompanhar a Eurocopa.

O Ministério do Exterior inglês divulgou nota advertindo os torcedores descendentes de africanos, caribenhos e asiáticos para ter muito cuidado, principalmente nas cidades-sede da Ucrânia, onde torcedores locais foram flagrados recentemente pelas câmeras do programa “Panorama”, da BBC, o mesmo onde trabalha Andrew Jennings, agredindo impiedosamente um grupo de asiáticos.

O ex-zagueiro Sol Campbell, que defendeu durante anos Arsenal, Tottenham e seleção inglesa, fez um desesperado apelo aos torcedores no mesmo programa da BBC: “Não vão para a Ucrânia. Vocês podem voltar dentro de um caixão.”

A entrevista de Campbell, uma espécie de Odvan daqui, isto é, zagueiro-zagueiro, mas com mais técnica, deu o que falar. E fortaleceu os argumentos de Theo Walcott e Oxlale-Chamberlain, jovens talentos do Arsenal e da seleção atual de Roy Hodgson. Na semana passada, eles desistiram de levar a família para a Eurocopa com medo de agressões racistas.

Neste mês, dezenas de mulheres de seios de fora se esfregaram na taça, que percorreu a Ucrânia, em protesto contra o torneio, aos gritos de “Fuck Euro”. O argumento das louras semipeladas: com a chegada de milhares de torcedores aumentará a prostituição no país.

Michel Platini, o bambambã da Uefa, ainda não se manifestou sobre possíveis casos de racismo e prostituição, mas colocou a boca no trombone, acusando ucranianos de “bandidos e vigaristas” pelo violento aumento dos preços dos quartos de hotéis na cidade de Donetsk.

Na contramão das preocupações dos ingleses, tiroteio que parte da mídia londrina, surge uma voz discordante, a do escritor e jornalista inglês Mark Perryman. Ele viveu com a mulher, descendente afro-caribenha, e os filhos em Kiev. Disse que a reportagem que fez soar o alarme foi um exagero da produção do “Panorama” e que a imprensa livra a cara da Polônia, onde a situação, aí sim, “é muito pior.”

Perryman contou que a Ucrania gastou muito dinheiro para realizar uma formidável Eurocopa, e que os principais times do país, Shakhtar Donetsk e Dínamo de Kiev, possuem seis, sete jogadores negros, que convivem muito bem com os torcedores. Lembrou que Kiev é uma das maiores e mais belas cidades da Europa, que o Dínamo já foi campeão duas vezes da Copa da Europa e ninguém saiu ferido.

Por ser um intelectual e um jovem homem de esquerda, Perryman recordou, ironicamente, que foi na Criméia que Tchecov escreveu sua obra mais importante. “O que glorifica qualquer nação”, concluiu.

Só resta esperar.

PS. É bom torcer, e isso não justifica nenhuma reação racista (entendam muito bem, por favor), para que alguns torcedores ingleses não se transformem em vândalos, como acontece quando vão assistir partidas no exterior.


*José Trajano é o jornalista que mais gosto, e foi durante 17 anos, diretor de Jornalismo  da ESPN Brasil, um canal de esportes e informação que não se sujeita aos desmandos da CBF. Trajano assina alguns dos melhores momentos da Imprensa brasileira. E hoje é o sobrenome da ESPN Brasil. A carreira do homem que praticamente criou a emissora em 1995 começou a ser escrita entre os anos de 1963 e 1964, quando o menino de 16 anos começou a trabalhar no Jornal do Brasil

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