"Eu não sei pra que, que a gente cresce"

  
Walnize Carvalho

            Amanheci com estes versos de Ataulfo Alves batucando na cabeça.
            E fiquei horas cantarolando porque gosto de “Meus tempos de criança” e também para contrapor ao som do bate-estaca que vinha de uma obra em frente à rua onde moro.
            E de tanto repetir me dei conta de que o lamento de crescer é de perder a ingenuidade. E dia após dia, ela – a ingenuidade – nos é tirada.
            Bons tempos em que  Natais distantes colocávamos sapatinhos na janela e íamos dormir sem ver a cara do Papai Noel...
            Assistir novelas! A torcida maior era para que o par romântico da história tivesse um happy end... No presente o que se vê é a exposição da vilania, da falta de caráter e de personagens psicopatas...
            E as estátuas? O que nos incomodava era olhar para estes monumentos e vê-los “presenteados” com cocô de passarinho em suas frontes. Atualmente são humilhados, depredados, jogados a um canto e ficam, como nós, literalmente estáticos!
            Num giro de memória revejo a chegada dos  fins de ano. Eram sinônimos de férias, descompromisso e encerramento de um ciclo. Hoje o tempo é um menino travesso que corre atrás de nós a nos alcançar os calcanhares sem, ao menos, nos dar a chance de pedir “mandrake”.
            Quem diria que transformariam os heróis em quadrinhos Mônica e Cebolinha em adolescentes e matariam o Batman?
           Sinceramente, como esquecer a antiga delicadeza dos encontros fraternos, da troca espontânea de presentes tão contrastantes à atual comercialização de afetos, dissimulação de simpatias e a ânsia das pessoas que se obrigam a ser felizes a qualquer preço?...
            Neste ping-pong entre passado e presente, por certo, vários paralelos seriam lembrados que, fatalmente, não caberiam neste espaço.
            Prefiro estancar as lembranças ao mesmo tempo em que sou absorvida pelo silêncio da rua.
            Olho pela janela e vejo que as máquinas silenciaram. Os operários interromperam a obra e fazem sua sesta.

            Volto a mim mesma e encerro esta crônica – nostálgica, irônica e saudosista – com outro trecho da canção que diz: “Eu era feliz e não sabia!”...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Alzira Vargas: O parque do abandono

Carta de despedida de Leila Lopes