Caras e caras

Walnize Carvalho
 
Naquela manhã ensolarada de primavera (como estão belas as manhãs desta primavera!) saí em direção ao centro da cidade.
Embora assoberbada de compromissos, me dei o direito de transformar a pressa em uma caminhada matinal. Meu olhar andarilho seguia na frente.
Ao invés de me deter em fatos e pessoas, corri os olhos sobre cantos e recantos: na calçada, numa fresta do cimento, uma plantinha nascera displicentemente; mais adiante, um cacho de pé de bananeiras espiava a rua do alto de um muro; do outro lado da calçada, um casal de bem - te - vis saía do ninho (feito nos fios do poste) e cantava em uníssono...
Olhando para o chão, reparei que sob os pés de árvores floridas e exuberantes, florezinhas serviam de tapete para os transeuntes.
 Esquecida das horas e em estado de contentamento, passei a observar as residências: suas fachadas, cores das janelas e portas, jardins, varandas, grades e até muros. Detive-me a observá-las e percebi , que em sua maioria, estava estampada a cara do seu dono.
 Uma, de calçada varrida, janelas abertas, canteiro de flores pertencia a uma senhora sorridente, que cumprimentava os transeuntes trazendo nas mãos regador e vassoura.
 Outra , janelas fechadas, pintura gasta, plantas entrelaçadas na varanda escondiam sua verdadeira face. Nela residia um senhor solitário que, vez por outra, sai à rua. Anda cabisbaixo e não dirige palavra alguma aos que cruzam por ele.
Mais adiante, abria o portão uma jovem senhora de mãos dadas com a filha (menina brejeira, vestido florido e laços de fita no cabelo), deixava para trás a casa de grama bem cuidada e enfeitada com “Branca de Neve e os Sete Anões”.
Na sacada, plantinhas multicoloridas davam o tom de singeleza e harmonia.
 Logo a seguir, visualizei uma toda pintada em cores vibrantes, de onde se ouvia do seu interior, alguma música acompanhada pela voz de seu dono.
Em algumas, estampadas legendas do tipo - “Lar Doce Lar”, “Cantinho do Vovô” – demonstravam o espírito bem humorado de seus donos.
 Lá na frente, deparei com algumas etiquetadas: “Vende-se” ou “Aluga-se”. As varandas empoeiradas com luzes apagadas sinalizavam, que estavam à espera de moradores, que lhes dessem vida novamente...
 Apressei-me.
Cumpri o roteiro traçado e voltei para casa. E como – repito – toda casa tem a cara do dono, a minha também tem: acorda cedinho comigo, abre suas janelas deixando-me saudar o dia que nasce. E bem na entrada, como sentinela, há um arbusto verdinho conhecido como “Árvore da Felicidade”, que rego todos os dias, na esperança de que ela ( a felicidade) ali faça morada.

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