Justiça condena empresa por prática racista que durou oito anos
Um empregado da empresa S. R. Indústria de Auto Peças Ltda., de
Blumenau (SC) que sofreu humilhações e discriminação de caráter racial
dentro do ambiente de trabalho praticadas por seu superior hierárquico
e colegas receberá indenização de R$ 20 mil por danos morais. A
condenação foi mantida pela Quarta Turma do Tribunal Superior do
Trabalho, que negou provimento a agravo da empresa.
Na
reclamação trabalhista, o operador afirmou que havia, no ambiente de
trabalho, "um grande desrespeito" em relação aos negros, e que sempre
foi alvo de piadas e brincadeiras de cunho racista, "com o conhecimento
dos superiores, que nada faziam para suprimir esses atos". Além das
provas apresentadas por ele, o Ministério do Trabalho e Emprego, após
denúncia, também comprovou, em inspeção fiscal na empresa, que nas
portas dos banheiros da unidade de Blumenau havia inscrições
depreciativas, ofensivas e discriminatórias para com os negros.
A primeira decisão, da 1ª Vara do Trabalho de Blumenau, julgou
improcedente o pedido de indenização por dano moral. O juiz não
entendeu ter havido prática de racismo ou discriminação. "Os apelidos,
mormente em um ambiente de operários, é perfeitamente aceitável e
corriqueiro", afirmou a sentença.
Para o Tribunal Regional do
Trabalho da 12ª Região (SC), porém, o quadro trazido no processo
comprovou, de forma irrefutável, a prática discriminatória acintosa com
o empregado afrodescendente. As provas mostraram que durante oito anos,
o operador de máquinas foi vítima de piadas, brincadeiras e apelidos
até a sua demissão, por justa causa, em retaliação ao ajuizamento da
reclamação trabalhista.
Ao reformar a sentença, o TRT-SC
ressaltou que nem mesmo a discriminação de caráter velado ou
generalizado pode ser tolerada ou incentivada. "A leveza ou até o
hábito pode afetar o balizamento da condenação, mas não excluir a
ilicitude da conduta", afirma o acórdão. Para o Regional, a decisão de
primeiro grau "está na contramão da história" ao considerar normal e
tolerável "o que não pode ser admitido em nenhuma hipótese".
Esposa "negra"
Segundo o TRT, "o preconceito divide os seres humanos em patamares
inexistentes", e cabe ao empregador, "no uso de seus poderes diretivo,
hierárquico e disciplinador, impedir que a dignidade humana dos
trabalhadores seja arranhada".
Um aspecto destacado pelo
Regional como "demonstração cabal" da discriminação racial foi a tese
utilizada pela empresa de que a esposa do preposto era negra. "A
afirmação não apenas é contrariada pela fotografia juntada aos autos
como pela própria certidão de casamento, que mostra que seu sogro e sua
sogra (os pais de sua mulher) possuem ascendentes italianos", afirma o
acórdão. "É fato conhecido no sul do Brasil, inclusive em Santa
Catarina, que, em tempos passados, os racistas mais radicais consideram
negros' todos os que não são arianos', inclusive os italianos,
colocando como virtude o fato do trabalhador ser filho de colono
alemão'".
Por decisão do TRT-SC, o empregado receberá, em
reparação pelos danos morais sofridos, indenização de R$ 20 mil. A
empresa de autopeças foi ainda condenada em R$5 mil reais por ter
demitido o empregado em punição pelo ajuizamento da ação trabalhista.
Segundo o Regional, "a empresa não usou de um direito, mas abusou dele
e o fez da forma mais mesquinha e reprovável", passando a seus
empregados uma mensagem inequívoca: "vou ofendê-lo e destratá-lo o
quanto me aprouver e, se você reclamar, vai ainda perder o emprego".
A Quarta Turma do TST, seguindo o voto do relator, ministro Fernando
Eizo Ono, negou provimento ao agravo de instrumento interposto pela
empresa, ante a conclusão de inexistência de violação de dispositivo de
lei ou ocorrência válida de divergência jurisprudencial capaz de
autorizar a apreciação do recurso de revista.
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