O passado manda lembranças
Walnize Carvalho
E foi que, dia desses, estava em uma farmácia e, curiosamente, vi quando um senhor entrou, dirigiu-se a um dos atendentes. Disse ele em alto e bom som: - Você tem emplasto Sabiá? - Hã?!? - Emplasto Sabiá! Aquele esparadrapo que se coloca no corpo. Estou com dor nas costas!- Não conheço, senhor! Serve tal (citou a marca)? - Não, não!E saiu apressado.
Distraidamente, passei os olhos pelas prateleiras e, para minha surpresa, por lá encontrei: Leite de Rosas, Biotônico Fontoura, Água Inglesa, Polvilho Antisséptico Granado, Gumex, Óleo de Fígado de Bacalhau, gilette Azul, Pente Flamengo e outros produtos para muitos desconhecidos ou esquecidos e, que por certo, ainda tem quem os procure.
Imediatamente, passaram por minha memória outros produtos que, em infância distante, fizeram parte da “pharmácia” ( que era um armário em estilo rococó,em madeira de lei ) da casa minha saudosa avó como : Pílulas de vida Dr.Ross, Emulsão Scott, Rum creosotado, Regulador Xavier, Lacto Purga, sabão Aristolino, pomada de basilicão,bem como na “penteadeira” de minhas tias não faltavam :creme Rugol, Pó de Arroz Promessa, colônia Cashemere Bouquet, rouge Tentação, batom e esmalte Labate, creme Pond’s...
Embevecida em lembranças saí dali e atravessando a rua acomodei-me em dos bancos da praça.
Observei crianças brincando, pais lendo jornais, senhores jogando cartas e a um canto um idoso – olhar perdido no tempo – enquanto pombos se alimentavam ao seu redor.
Vendo a cena constatei que muitos anciãos (e outros nem tanto assim) encontram-se esquecidos nas “prateleiras” à espera de que os notemos; de que ouçamos seus sábios conselhos; de que nos esforcemos para entender o que querem nos comunicar. Passamos por eles distraídos e, ao mínimo esboço de conversa ou de explanação sobre um assunto, retrucamos:
- Hã?!? Não estou entendendo! Mais tarde a gente conversa. Damos, assim, a nítida impressão de que eles estão “falando grego” e que a nossa pressa não permite questionamento.
Envolta em minhas vãs filosofias, consultei a hora e vi que daria tempo para trocar “um dedo de prosa”com o ancião solitário.
Sentei-me ao seu lado e iniciei o papo de forma corriqueira do tipo: - Que dia quente, não é? Nem parece inverno!O que rendeu assuntos diversos. Ele falou do tempo, do passado, de política, de família, de saúde e... dos remédios de antigamente. Ele, entusiasmado,listou: Maravilha curativa, Limonada purgativa,Vinho Reconstituinte Silva Araújo... E eu, não fiz por menos: elixir paregórico, leite de magnésia, colubiazol e ( a mais dolorida das lembranças) injeção de Ozonil vitaminada...
Rimos e, ao final, falamos a uma só voz, o “reclame” que lia no bonde, onde meu pai me levava à escola: “Veja ilustre passageiro/ O belo tipo faceiro que o senhor tem a seu lado./ E ,no entanto acredite,/ quase morreu de bronquite,/ Salvou-o o Rum Creosotado!”
Despedimo-nos e saí dali pensando: Na luta diária que travamos deixamos escapulir oportunidades de diálogos, entendimentos e trocas de experiências.Estamos sempre atrelados ao tempo (ou falta de tempo?) e nem paramos para observar, ouvir, pensar, ensinar, aprender...
Segui meu caminho, convicta de que nem eu e nem ele necessitamos nos medicar de “memoriol”...
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