Maranhense tem poemas traduzidos em três línguas e ganhará exposição em agosto, em SP


Foto :Mauro Ventura

RIO - É uma trajetória admirável a que leva o poeta e letrista Salgado Maranhão do povoado de Cana Brava das Moças, no interior do Maranhão, onde nasceu há 58 anos, até 50 universidades americanas, como Harvard e Yale, onde vai dar palestras de setembro a dezembro. Analfabeto até os 15 anos, trabalhou na lavoura e hoje tem sua obra estudada nos EUA, recebe elogios de gente como Ferreira Gullar (“É um dos mais brilhantes poetas de sua geração”), vê poemas traduzidos em inglês, alemão e holandês — em breve em italiano, hebraico e até esperanto —, conquistou prêmios como o Jabuti e o da Academia Brasileira de Letras, tem letras em parceria com Paulinho da Viola, Ivan Lins, Zeca Baleiro, Elton Medeiros e Moacyr Luz, e vai ganhar em agosto uma grande exposição em São Paulo. Por cada palestra nos EUA vai receber de US$ 800 a US$ 1 mil. Ele prepara dois livros. Para este ano, “Papo poesia— arte de dizer o que não pode ser dito”, em que responde a cem perguntas da professora Iracy de Souza. E, para 2013, “O mapa da tribo”, com poemas inéditos. “A poesia nos dá colo na alegria e na tristeza”, disse ele, pouco antes de ir ao encontro do escritor angolano Ondjaki, que vai ler seus poemas num evento literário.

REVISTA O GLOBO: Você não gosta muito de falar sobre as adversidades por que passou. Por quê?

SALGADO MARANHÃO: Não gosto de vender miséria para ganhar atenção. Não faço papel de vítima. Não quero o caminho fácil. Não busco planícies, busco ladeiras. Mas é verdade que minha vida é cheia de relevos. Vim para o Rio com 22 anos. Queria conhecer o meio artístico. Cheguei sem dinheiro, arrumei emprego numa livraria, no depósito de livros. A dona mandou que aos sábados eu lavasse o letreiro. Eu disse: “Sou poeta, não vim ao Rio para lavar letreiro.” Ela falou: “Mas você é muito audacioso.” Eu era muito folgado. Demitido, fui trabalhar numa firma de engenharia na construção do metrô. Até que li um poema num recital da turma da Nuvem Cigana. Júlio Barroso (que depois criou a Gang 90) gostou e me chamou para escrever na revista “Música do Planeta Terra”.

REVISTA O GLOBO: Você era analfabeto até os 15 anos...

SALGADO MARANHÃO: Sou filho da Casa Grande e da Senzala. Minha mãe era uma camponesa negra, meu pai era o dono da fazenda. Ele era casado e tinha três filhas. Eu era o único filho homem de meu pai, e a família dele quis me levar para criar, mas minha mãe não deixou. Minha primeira influência foram os repentistas. Aos 15 anos, fui estudar em Teresina. Na casa onde fiquei, havia professores. E descobri a biblioteca pública. Um dia li “Poema em linha reta”, de Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa. Nunca mais fui o mesmo. Lia tão devagar, com medo de acabar e não achar outro livro dele, que chegava ao meio e voltava a ler.

REVISTA O GLOBO: Você trabalhou como massoterapeuta. Como foi?

SALGADO MARANHÃO: No Rio, conheci um padre jesuíta, João Manoel Lima Mira. Ele era faixa preta de kung fu e me iniciou nas práticas orientais. Depois foi para o Japão e se tornou samurai. Aprendi acupuntura, shiatsu, reiki, quiropraxia. Trabalhei 14 anos no Club Méditerranée, em Angra. Atendi cerca de cinco mil pessoas. Ayrton Senna era meu cliente. Ia muito lá, tinha muitas tensões. Uma vez levei um livro meu e ele ficou espantado. Dias depois, disse que leu e gostou. Me deu um boné autografado, que está em Teresina, na casa de um amigo. Ele é tão apaixonado por Senna que falei: “Você vai guardar melhor que eu.” Ele emoldurou e botou na parede. Mas agora não tenho mais tempo para a massoterapia. Pela primeira vez, estou vivendo só de poesia.

REVISTA O GLOBO: Para você, qual a importância da poesia?

SALGADO MARANHÃO: As pessoas só pensam nas coisas materiais. Ficamos presos às necessidades urgentes. Mas isso não dá conta da nossa humanidade, não nos completa como indivíduos e seca a poesia do nosso coração. A poesia nos empurra para uma dimensão além da sobrevivência básica.

REVISTA O GLOBO: Qual o espaço da poesia hoje?

SALGADO MARANHÃO: O mundo nunca precisou tanto de poesia como agora. Se tudo o que temos é para transformar em dinheiro, então não somos pessoas, somos um supermercado. Vivemos na sociedade da ordem, do “experimente!”, do “compre já”. A publicidade quer parecer, mas a poesia quer apenas ser. O que fascina as pessoas é sua gratuidade, sua verdade genuína num mundo quase todo poluído pelo interesse material. A poesia não faz como a literatura de autoajuda, que aponta caminhos. Ela não dá receitas, dá autonomia. Não nos manda imitar o outro, quer que descubramos nosso próprio mapa.


Do: http://oglobo.globo.com/cultura/dois-cafes-a-conta-com-poeta-salgado-maranhao por Mauro Ventura

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Alzira Vargas: O parque do abandono

Carta de despedida de Leila Lopes

Celso Blues Boy: escolhi minha vida e escolho minha morte