Deu na revista Piauí...


Meditação a distância
(A conexão com seu eu interior, agora em banda larga)
por NUNO MANNA

Quando o toque do Skype soou, às oito e meia da noite de uma quinta-feira, um grupo de dez pessoas reunidas em torno de um laptop aguardava o chamado. Descalças, acomodavam-se sobre almofadas providenciadas por Sandra Leão, anfitriã daquele encontro num apartamento de Belo Horizonte. Como a maioria dos presentes era de neófitos, ela também os instruiu sobre como se posicionar. O pé direito tinha que ser colocado sobre a coxa esquerda, na célebre posição Meio Lótus. A coluna devia se manter ereta. Era importante se concentrar no centro do corpo, como se houvesse uma circunferência localizada dois dedos acima do umbigo. “Gosto de imaginar o sol ou uma lua cheia, mas pode ser uma laranja, uma maçã”, comparou Sandra. Estavam prontos para iniciar uma sessão de meditação em grupo.
Na tela do computador surgiu a figura rechonchuda de um monge budista de 30 e poucos anos, trajando o esperado manto laranja e espremendo simpaticamente seus olhos já puxados. Seu nome é Phra John Paramai Dhanissaro, mas é tratado simplesmente por Luang Phi John (Luang Phi é um título de respeito e fraternidade). Falava de seu templo em Bangcoc, a 16 mil quilômetros dali, onde começava a manhã de sexta. Em inglês, cumprimentou sua audiência mineira e perguntou se estavam prontos para a sessão.
Pela tela do laptop de 14 polegadas, o monge orientou o grupo a fechar mansamente os olhos, respirar lenta e profundamente e relaxar cada músculo corporal. Pediu que tentassem se desfazer dos pensamentos e transportassem sua concentração para o centro do corpo, “o lar da mente”. Luang Phi John pontuava as intervenções com longas pausas e esticava as últimas sílabas de cada frase, suavizando-as. Sua fala ecoava na sala escura e silenciosa.
No canto, uma mulher vestindo uma camiseta estampada com a imagem de um monge sorridente e a frase Let it be acompanhava o mestre com atenção – estava ali porque o médico recomendou que buscasse atividades para reduzir seu nível de estresse. Ocasionalmente, problemas de conexão tornavam metálica a voz de Luang Phi John ou interrompiam o mantra “Claro e brilhante” que ele repetiu incontáveis vezes. Mas os problemas técnicos não foram suficientes para perturbar a concentração do grupo.
Luang Phi John é um integrante do Peace Revolution, projeto criado em 2008 que promove a meditação como caminho para a paz no mundo. Um de seus principais instrumentos de ação são as “operações especiais”, como chamam as sessões de videoconferência pela internet. Esses encontros se tornam um meio prático de conectar pessoas de todo o mundo a um monge na Tailândia – e, claro, ao “eu interior” de cada um. Naquela noite (ou manhã, se considerado o fuso horário de Bangcoc), Luang Phi John estava conectado simultaneamente a grupos de três cidades diferentes – Belo Horizonte, La Paz e Cochabamba, na Bolívia.
As operações especiais são organizadas localmente pelos “agentes da paz”, adeptos da meditação que receberam treinamento presencial dos monges. Sua formação é feita num retiro espiritual em Bangcoc, no qual é vedado o acesso a telefones e à internet. Sandra é um dos sete agentes da paz brasileiros, todos belo-horizontinos.
Mesmo sem participar de uma operação especial, os interessados podem se cadastrar no site do Peace Revolution e se tornar o que eles designam um “rebelde da paz”. A iniciação é feita em 42 sessões de trinta minutos de meditação individual, guiadas por gravações dos monges em vídeo ou MP3, que o rebelde pode carregar em seu laptop ou celular e reproduzir entre a resposta a um e-mail e um clipe no YouTube.
A cada sessão individual de meditação, o rebelde preenche um diário virtual, o “blog de missão”, em que relata sua experiência e avalia o resultado com fluxogramas que medem seu nível de paz interior (as anotações são lidas e comentadas por um tutor do templo tailandês). O aprendiz deve relatar ainda se cumpriu os cinco princípios de autodisciplina: não matar ou ferir pessoas e outros seres, não roubar ou danificar a propriedade alheia, não ter má conduta sexual, não proferir mentiras e ofensas, nem usar intoxicantes. Sandra admitiu que jamais conseguiu cumprir os princípios à risca.
Em maio, os monges Luang Phi John e Luang Phi Pasura saíram em turnê sul-americana para divulgar seus métodos de meditação. No Brasil, passaram por São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, para palestras e sessões presenciais de meditação coletiva. Os monges tailandeses usam sandálias Crocs, riem com os ombros e manuseiam com desenvoltura bugigangas tecnológicas. Luang Phi Pasura (que foi DJ antes de virar monge) gosta de fazer metáforas budistas cibernéticas: “O cérebro é como o hardware e a mente, como o software”, explicou. “Estamos presos ao nosso hardware, mas podemos fazer um upgrade no software.”
A sala do apartamento de Sandra, mal iluminada pela luz fria do computador, Luang Phi John anunciou o fim da sessão de atualização coletiva do software mental. Quase todos admitiram depois que não conseguiram se desligar totalmente de seus pensamentos e transcender a realidade material. Mas não se entediaram nem perceberam o tempo passar. Quando o monge contou que o grupo havia meditado por cinquenta minutos, a reação foi de surpresa. “Parece que não se passaram mais de vinte”, comentou um rapaz.
Antes de desligar a conexão, o monge respondeu a perguntas da audiência sobre a prática budista. Sinal dos tempos, de La Paz alguém indagou qual era o menor tempo possível para uma sessão expressa de meditação. Luang Phi John contou uma parábola cuja moral apontava os benefícios da meditação frequente. Mas afirmou: “O tempo mínimo é trinta minutos”, sem ceder aos apelos do budismo fast-food.

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