Noite de reis

Walnize Carvalho

Seis de janeiro de idos janeiros. Praia do Farol de São Thomé.
Nove da noite.
A casa de paredes, portas e janelas de madeira já se silenciava.
O lampião apagado e o portão fechado por simples taramela sinalizavam recolhimento.
No quintal, como se estivesse a espreguiçar-se, a relva silvestre debruçava-se sobre a areia.
Na enorme varanda, redes dormiam despreocupadas sob a luz do luar.
A menina em seu quarto, à espera do sono, olhava para o teto contando as telhas.
Por uma delas – que era de vidro – estrelinhas estavam a espiá-la.
 A brisa noturna corria pelos cômodos da casa entoando melodia suave.
O bater contínuo das ondas do mar bravio parecia o som de instrumentos pesados.
Tudo isso chegava aos seus ouvidos como uma orquestra.
  Uma orquestra da natureza.
De repente, sussurros lá fora.
 Uma folia de reis.
  Um cantador começava assim: “Senhora dona casa, dá licença de entrar”.
 E começava a cantoria.
Os adultos sentavam-se em suas camas.
As crianças prendiam o riso.
 E todos ouviam o cantar belo, melodioso e, até certo ponto, melancólico.
Ao término da apresentação do grupo eclodiam aplausos dos moradores.
  O dono da casa abria a porta e junto com a família ia para a varanda levando algumas canecas de licor ou vinho como agradecimento.
O grupo se despedia e seguia para saudar e, porque não dizer, abençoar os lares dos vizinhos.
A felicidade batida à porta nos tirava o sono, mas não levou de mim esta doce e melodiosa lembrança.

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