Carta a um juiz- por Mauro Ventura


" Excelentíssimo senhor doutor juiz Fábio Uchôa,
Hoje de madrugada resolvi dar uma última conferida nas notícias, antes de me deitar. Passava das 2h quando liguei o computador. Teria ido dormir tranquilo, caso não tivesse topado com uma reportagem que falava do senhor. Custei a acreditar. Tive que reler para ter certeza de que era verdade. Lá dizia que os quatro PMs acusados de terem matado a engenheira Patrícia Armieiro iam ser soltos hoje, por decisão sua, para responder ao processo em liberdade.
Tive, claro, um sono agitado. Fiquei imaginando a dor dos pais de Patrícia. Eles já tinham sofrido um baque recente com o aparecimento de uma testemunha de última hora. Eu acredito em duendes, em Papai Noel, no Pé Grande e no depoimento do flanelinha que disse ter visto a engenheira na Rocinha no dia da tragédia.
Agora, Antônio Celso de Franco e Tânia Branco de Franco também iam ter que conviver com a notícia de que os policiais Willian Luis do Nascimento, Marcos Paulo Nogueira Maranhão, Fábio da Silveira Santana e Márcio Oliveira dos Santos teriam a prisão preventiva revogada e estariam em poucas horas nas ruas.
A Delegacia de Homicídios e o Instituto de Criminalística Carlos Éboli fizeram um trabalho exemplar no caso de Patrícia. Mostraram como ela foi morta e teve o corpo queimado com a ajuda de milicianos de Jacarepaguá. O chefe de Polícia Civil, Allan Turnowski, chegou a dizer:
- O crime está solucionado. Falta encontrar o corpo, para que a família faça um enterro digno.
Alguém poderia alegar que o senhor só cumpriu a lei. É verdade. Sou leigo no assunto, mas sempre que ouço esse argumento me lembro de uma entrevista que fiz com o ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal. Ele me disse:
- Para ser juiz adequadamente você tem que se abrir para receber influências do texto e da realidade. A gente nunca julga só com o que está escrito na Constituição e na lei. O que tem de fascinante em trabalhar com o direito é que você está interpretando tudo, até a própria realidade. Por isso você tem que ter juízes que sejam sensíveis à realidade. Você tem duas forças no direito. Uma tendendo à rigidez, ou seja, ao texto, e a outra à elasticidade. O juiz não é uma máquina, tem que levar em conta a realidade.
Nos últimos dias, temos visto decisões judiciais estarrecedoras. Primeiro foi o desembargador Dácio Vieira, que censurou "O Estado de S.Paulo", impedindo o jornal de publicar notícias sobre o filho de Sarney. Logo se descobriu que Vieira era ex-consultor jurídico do Senado e do convívio social da família Sarney e do ex-diretor-geral Agaciel Maia. Foi até um dos convidados do casamento de Mayanna Maia, filha de Agaciel. Era completamente suspeito para julgar o caso.
E, agora, foi o juiz Carlos Borges, que concedeu o benefício para o regime semi-aberto ao traficante Polegar, da Mangueira. No mesmo dia em que foi solto, o bandido sumiu.
O julgamento dos PMs ainda não está marcado. Por enquanto, as testemunhas estão sendo ouvidas. O senhor explicou que tomou a decisão por não ver motivos para deixá-los presos. E há motivos para deixá-los soltos? Eles são acusados de um dos crimes mais bárbaros da crônica policial carioca. Estamos cansados de ouvir casos de réus que, livres, coagem testemunhas e fabricam provas.
Confesso que acordei esperançoso. Esperava abrir o jornal e ver que o senhor tinha mudado de opinião. Doeu-me a alma ver a confirmação de meus temores. Volto a repetir: sou apenas um leigo. Mas um leigo cansado de ver meu país afundar na impunidade.
Atenciosamente,
Mauro Ventura"
Texto extraído do blog do jornalista Mauro Ventura.

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