Chovendo lembranças


Walnize Carvalho

Uma coisa é viajar no imaginário, entrar no túnel do tempo e resgatar lembranças; outra é retornar ao velho cenário e sentir na pele, olhos e coração o passado- presente. Rever cantos e recantos achando encanto em tudo à volta...
Eis que, em mais um verão aqui estou na casa da infância , adolescência e de quase de toda uma vida, na praia do Farol de São Tomé. As presenças da chuva e das netas me fazem rever “tudo de novo” com ares saudosistas. Chovem lembranças de verões vividos...
Na varanda, familiares divertiam-se ora com jogos de víspora, ora com cartas de baralho (a “escopa de quinze” era a preferida).
No canto da sala alguém atento ouvia no rádio “as últimas notícias sobre as enchentes do Paraíba”.
Na cozinha, a dona da casa preparava o café, fervia o leite da roça. Broa de milho, batata doce, banana figo e aipim cozidos completavam o farto lanche.
De verões chuvosos relembro o passeio à tardinha pelas ruas empoçadas – eu, irmãs, colegas e primas – sob barracas coloridas de praia . Íamos ver o belo espetáculo do mar bravio.
No trajeto ouvíamos conversas e alaridos.
No banco da pracinha senhores discutiam a próxima safra de cana-de-açúcar.
No campo de areia meninos encharcados de alegria jogavam bola.
Mais adiante, na porta da birosca, um homem bradava: - O tempo está uma isca! E esfregando as mãos, ordenava: - Zé, coloca mais uma dose!
Voltávamos para casa. Entrávamos buscando diversão. As meninas dividiam-se em duplas jogando “varetas” e “dominó” (de baralho, só sabíamos do “rouba montinho”).
Uma delas, olhando pela janela, sentenciava: - Amanhã vou desenhar o sol na areia. O tempo vai melhorar.
O lanche era servido...
Retomo ao presente verão.
Fim de tarde. Olho pela janela. A chuva me preocupa, pois “as meninas”( netas) estão passeando e não levaram protetores...de chuva.
Eis que retornam da caminhada no Calçadão e comunicam: - Já comemos uns sandubas no quiosque com as amigas (estas cujos pais brincavam outrora com meus filhos). Trocam as roupas molhadas e decretam: - Vamos assistir DVD na casa de uma colega!...
Sem tempo de aprovar ou desaprovar as vejo correndo pela rua. Dou de ombros, afinal, como dizem: “Jovem é outro papo!”
Na sala, a neta caçula se aninha em meu colo. Na tevê ligada, o noticiário da ênfase à tragédia na Região Serrana.
Alguém de casa sugere jogar baralho: “escopa de quinze” Proposta aceita.
Diante dos meus olhos, um embaralhar de lembranças.

Comentários

Anônimo disse…
Gosto do que vc escreve.
Não que as suas lembranças sejam iguais às minhas, até porque nunca frequentei a praia do Farol.
Mas, com extrema candura me leva ao passado, me trás boas recordações da infância(um pouco já distante, confesso, rsrsrs).
Assim, gosto do que vc escreve.
Um inspirado(rsrsr) com dia.

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