"Me deu na telha" e trago curiosidades sobre expressões populares

DEIXAR AS BARBAS DE MOLHO - Ficar de sobreaviso, acautelar-se, prevenir-se. Na Antiguidade e na Idade Média a barba significava honra e poder. Ter a barba cortada por alguém representava uma grande humilhação. Essa idéia chegou aos dias de hoje. Um provérbio espanhol diz que "quando você vir as barbas de seu vizinho pegar fogo, ponha as suas de molho". Todos devemos aprender com as experiências dos outros.
FALAR PELOS COTOVELOS - Falar demais. Surgiu do costume que as pessoas, muito falantes, têm de tocar o interlocutor no cotovelo a fim de chamar mais a atenção. O folclorista brasileiro Câmara Cascudo fazia referência às mulheres do sertão nordestino, que à noite, na cama com os maridos, tocavam-nos para pedir reconciliação depois de alguma briga.
CHORAR AS PITANGAS - Chorar muito. O nome pitanga vem de pyrang, que, em tupi, significa vermelho. Portanto, a expressão se refere a alguém que chorou muito, até o olho ficar vermelho.
CUSPIDO E ESCARRADO - Uma pessoa é muito parecida com outra. Mais uma digressão brasileira. A origem do ditado vem da expressão "esculpido em carrara". A frase é uma alusão à perfeição das esculturas de Michelangelo, pois carrara é um mármore da Itália e foi bastante usado por ele. Algum tempo atrás significava fazer bustos de pessoas famosas em carrara, o mais chique dos mármores, ou seja, fazia uma cópia perfeita da fisionomia da pessoa.
BAFO DE ONÇA - Hálito fétido. A onça é animal carnívoro e se lambuza na hora de comer a caça, por isso fede muito e sua presença é detectada à distância na mata.
À BEÇA - Muito, em grande quantidade. No Rio imperial, havia um comerciante rico chamado Abessa, que adorava ostentar roupas de luxo. Quando alguém aparecia fazendo o mesmo, dizia-se que ele estava se vestindo à Abessa, ou seja, como o comerciante. Virou sinônimo de abundância, exagero. Outra versão é atribuída à grande profusão de argumentos utilizados pelo jurista sergipano Gumersindo Bessa (1849-1923) ao enfrentar Rui Barbosa em famosa disputa pela independência do território do Acre, que seria incorporado ao Amazonas. Quem primeiro utilizou a expressão foi Rodrigues Alves (1848-1919), presidente do Brasil de 1902 a 1906, admirado da eloqüência de um cidadão ao expor suas idéias: "O senhor tem argumentos à bessa." Com o tempo, o sobrenome famoso perdeu a inicial maiúscula e os dois esses foram substituídos pela letra c com cedilha (ç).
PODE TIRAR O CAVALO DA CHUVA - Pode esperar que vai demorar. No interior o meio de transporte mais utilizado é o cavalo. Além de não enguiçar nem parar por falta de combustível, o cavalo tem a vantagem de deixar clara a intenção do visitante na chegada. Se ele amarra o bicho na frente da casa, sinal de permanência breve; se leva para um lugar protegido da chuva e do sol, pode botar água no feijão, o moço vai demorar. Depois o sentido da expressão se ampliou para desistir de um propósito qualquer.
OVELHA NEGRA DA FAMÍLIA - Filhos que não têm bom comportamento. A história dessa frase nasceu do milenar trabalho de pastoreio. Em todo o rebanho há um animal de trato difícil, que não acompanha os outros. Cuidando das ovelhas, protegendo-as dos lobos, providenciando-lhes os melhores pastos, o pastor não evita, porém, que uma delas se desgarre. É a "ovelha negra". Por metáfora, a frase passou a ser aplicada nas famílias e em outras comunidades, a filhos ou a afiliados que não têm bom comportamento. A Ilíada, de Homero (século IX a. C.), relata o sacrifício de uma ovelha negra como garantia do pacto celebrado entre Páris e Menelau, que resultou na guerra de Tróia. Mas ela não foi punida por mau comportamento. Como muitas ovelhas negras, era inocente.
BATEU AS BOTAS - Morreu. Esta frase é uma variante das tradicionais "Esticou as canelas", "Abotoou o paletó", "Partiu desta para melhor". O curioso, porém, é que se aplica apenas ao morto adulto, do sexo masculino, que tenha o costume de andar de botas ou ao menos calçado. O sapato tem sido símbolo de qualificação social ao longo de nossa história, tendo partilhado seu prestígio com certas marcas de tênis, em busca dos quais adolescentes delinqüentes chegam a matar. Provavelmente bate as botas ao morrer alguém de certas posses, ao menos remediado. Outros mortos apenas esticam as canelas ou partem desta para melhor. No segundo caso, partem com estilo, fazendo dupla elipse, já que está subentendido que partiram desta para outra vida, que os comentadores antevêem mais favorável a quem partiu. Dependendo da herança, sua partida é mais favorável para quem ficou. As origens da frase residem no bom trato despedindo aos mortos, posto arrumadinhos nos caixões, com o paletó abotoado. Como, porém, as mulheres passaram a usar roupas semelhantes às dos homens, também elas podem abotoar o paletó à triste hora da partida. A pergunta, entretanto, permanece: triste para quem? Sábios, os latinos cunharam outra frase: "Requiescat in pacem" (descanse em paz). E há um emblema para as cerimônias da morte, o Requiem (Descanso). Um dos mais célebres é o de Mozart.
CONVERSA MOLE PARA BOI DORMIR - Assunto sem importância. Esta frase nasceu quando o boi era tão importante que dele só não aproveitava o berro. Tratado quase como pessoa, com ele os pecuaristas conversavam, não, porém, para fazê-lo dormir. Nas touradas, quando o boi ainda é touro, até sua fúria compõe o espetáculo. Na copa de 1950, o Brasil venceu Espanha por 6 a 1 e quase 200 mil pessoas cantaram touradas em Madri, de Carlos Alberto Ferreira Braga, o Braguinha, que termina com este verso: "Queria que eu tocasse castanholas e pegasse um touro a unha/ caramba, caracoles/ não me amoles/ pro Brasil eu vou fugir/ isso é conversa mole/ para boi dormir."
DEU DE MÃO BEIJADA - Entrega espontânea. Esta frase nasceu do rito empregado nas doações ao rei ou ao papa. Em cerimônia de beija-mão, os fiéis mais abastados faziam suas ofertas, que podiam ser terra, prédios e outras dádivas generosas. O papa Paulo IV (1476-1559), em documento de 1555, aludiu a esses meios regulares de provento sem ônus, dividindo-os em oblações ao pé do altar e de mão beijada. Desde então a frase tem sido aplicada para simbolizar favorecimentos.
INÊS É MORTA - Não adianta mais. Personagem histórica e literária, celebrada em Os Lusíadas, de Luís de Camões (1524-1580), Inês de Castro (1320-1355) teve um caso com o príncipe Dom Pedro (1320-1367), com quem teve três filhos. Por reprovar o romance, a casa real condenou a dama castelhana que vivia na corte portuguesa à morte por decapitação. Ela literalmente perdeu a cabeça por um homem. Quando já era o oitavo rei de Portugal, Dom Pedro deu-lhe o título de rainha. Mas àquela altura logicamente isso de nada adiantava: Inês já estava morta. A frase passou a significar a inutilidade de certas ações tardais. É o título de romance do mineiro Roberto Drummond.
MISTURAR ALHOS COM BUGALHOS - Frase que sintetiza confusão. Frase de uso corrente na linguagem coloquial desde os tempos dos primeiros cultivos do alho, erva de que se aproveita o bulbo, principalmente como tempero. Os namorados, entretanto, procuram evitar pratos com tal condimento, já que o beijo fica mais adequado ao trato com vampiros e não com os amados, dado ao cheiro pouco agradável advindo de sua metabolização no organismo. Com o sentido de coisas desconexas e trapalhadas, foi registrada por João Guimarães Rosa num de seus contos: "O senhor pode às vezes distinguir alhos de bugalhos, e tassalhos de borralhos, e vergalhos de chanfalhos, e mangalhos... Mas, e o vice-versa?"
VÁ PENTEAR MACACOS - Não incomode, vá para longe. Esta frase, proferida como ofensa, é adaptação brasileira de um provérbio português: "Mau grado haja a quem asno penteia". Na tradição de Portugal, pentear burros e jumentos seria tarefa menor, quase desnecessária. Provavelmente o verbo significava escovar, um luxo para animais de carga. Mas no século XVIII, o animal já havia sido substituído por bugio em Portugal e por macaco no Brasil, tal como| aparece em documentos de 1756 assinado pelo rei Dom José (1714-1777), que deve ter penteado muitos macacos, já que quem exercia o poder era o marquês de Pombal (1699-1782), que, inclusive, transferiu a capital do Brasil de Salvador para o Rio de Janeiro. A expressão está registrada por Luís da Câmara Cascudo (1898-1986) em Locuções tradicionais do Brasil.
RASGAR SEDA - Elogiar exageradamente. Sinônimo de elogios exagerados, está presente numa das comédias do fundador do teatro de costumes no Brasil, o dramaturgo Luís Carlos Martins Pena (1815-1848), em cena na qual um vendedor de fazendas vai à casa de uma moça para cortejá-la e, como pretexto, oferece-lhe alguns panos "apenas pelo prazer de ser humilde escravo de uma pessoa tão bela". Retruca a moça: "Não rasgue a seda, que esfiapa-se".
É DE TIRAR O CHAPÉU - É muito bom. Foi no reinado de Luís XIV, o Rei Sol, que a França disciplinou as saudações feitas com o chapéu. O costume vinha dos templos da mais parda das eminências, o cardeal Richelieu, à época de Luís XIII. Os cumprimentos podiam ser feitos com um toque na aba; erguendo-o um pouco, sem retirá-lo da cabeça; tirando-o inteiramente ou fazendo-o roçar no chão, quase como uma vassoura, tudo dependendo da importância social de quem era saudado. Como se sabe, os Luíses XIII e XIV foram reis que se preocuparam muito com chapéus. Logo depois, um os mais famosos da seqüência, Luís XVI, perdeu muito mais do que o chapéu: a própria cabeça, na Revolução Francesa.
É UM ELEFANTE BRANCO - É algo que não serve para nada. A origem desta frase vem de um costume do antigo reino de Sião, situado na atual Tailândia, que consistia no gesto do rei de dar um elefante branco aos cortesãos que caíam em desgraça. Sendo um animal sagrado, não poderia ser posto para trabalhar. Como presente do próprio rei, não poderia ser vendido. Matá-lo, então, nem pensar. Não podendo também ser recusado, restava ao infeliz agraciado alimentá-lo, acomodá-lo e ajaezá-lo com luxo, sem nada obter de todos esses cuidados e despesas.
ESTAR DE PAQUETE - Situação das mulheres quando estão menstruadas. Paquete, já nos ensina o Aurélio, é uma das denominações de navio. A partir de 1810, chegava um paquete mensalmente, no mesmo dia, no Rio de Janeiro. E a bandeira vermelha da Inglaterra tremulava. Daí logo se vulgarizou a expressão sobre o ciclo menstrual das mulheres. Foi até escrita uma "Convenção Sobre o Estabelecimento dos Paquetes", referindo-se, é claro, aos navios mensais.
QUINTOS DOS INFERNOS - Amaldiçoar alguém ou local muito longínquo. Uma corrente (com variantes, é claro) associa o termo quintos ao imposto de 20% cobrados pela coroa portuguesa sobre todo o ouro fundido no Brasil. Falava-se em quintos mais ou menos como hoje ainda se fala em décimas, no sentido tributário. Em Parati, por exemplo, até hoje existe a velha Casa dos Quintos. O navio que levava a Lisboa o produto dessa arrecadação era a nau dos quintos; por causa da antipatia que os brasileiros sentiam por esse tributo, teria sido agregada a locução "dos infernos", ficando então completa a expressão. Outra corrente volta-se para Quintos, uma das freguesias de Beja, em Portugal. Como estava situada, na Idade Média, no limite do território português, a localidade era alvo constante das investidas dos chefes árabes que dominavam grande parte da Península Ibérica, o que tornava infernal a vida nessas paragens. Daí teria vindo o hábito de arrenegar os desafetos e inimigos, mandando-os para "os Quintos dos infernos".
AMA-SECA - Babá. O termo surgiu na época da escravidão e correspondia à escrava que não amamentava. A escrava que dava de mamar era chamada de ama-de-leite.
ENTRAR COM O PÉ DIREITO - Começar bem. A expressão surgiu no Império Romano e conseguiu se espalhar pelo mundo inteiro. Nas festas realizadas na antiga Roma, os convidados eram avisados de que deveriam entrar nos salões com o pé direito - dextropede. A medida, segundo os romanos, evitaria o agouro.
CATAR MILHO - Datilografar ou digitar lentamente. A expressão catar milho mostra a influência do mundo rural no urbano. Milho aqui está no lugar de grão: grão de milho, que é parte da espiga. Se alguns grãos caem no chão, se esparramam, cata-se um por um, como as galinhas fazem com o bico no terreiro quando se joga milho para elas. Catar milho tem um sentido metafórico, porque, ao utilizar somente um dedo só de cada mão, próprio de quem não fez curso para adquirir agilidade nessa tarefa, é semelhante ao ato de catar cada grão de milho no chão.
A EMENDA SAIU PIOR DO QUE O SONETO - O conserto ficou pior que o original. Querendo uma avaliação, certo candidato a escritor apresentou soneto de sua lavra ao poeta português Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805) pedindo-lhe que marcasse com cruzes os erros encontrados. O escritor leu tudo, mas não marcou cruz nenhuma, alegando que elas seriam tantas que a emenda ficaria ainda pior do que o soneto. A autoridade do mestre era incontestável. Bocage levou essa forma poética a tal perfeição que fazia o que bem queria com um soneto, tornando-se muito popular, principalmente em improvisos satíricos e espirituosos, pelos quais é conhecido.
AO DEUS DARÁ - Deixado de lado. Esta famosa frase serviu originalmente de resposta de quem não queria dar esmolas. Homens duros de coração respondiam aos mendigos que lhe estendiam a mão: Deus dará. Eles não. Quem dependia da caridade pública ficava em má situação, ao Deus dará. A expressão cristalizou-se de tal forma que, no século XVII, um negociante português que vivia no Recife, de tanto proferir a frase, passou a tê-la acrescentada ao próprio nome. Ficou conhecido como Manuel Álvares Deus Dará. Seu filho, Simão Álvares Deus Dará, foi provedor-mor da fazenda do Brasil.

Comentários

Pedro (D)KabraL disse…
Muitíssimo interessante.

Postagens mais visitadas deste blog

Alzira Vargas: O parque do abandono

Carta de despedida de Leila Lopes