Das redes sociais ao para-brisa: a‘Multa moral’ contra estacionamento proibido


Internautas imprimem talão e deixam ‘infração’ no capô dos carros parados em local irregular

Mariana Filgueiras
Do:o.globo.com

Não se espante se algum dia, depois de uma ida ao mercado, ao dentista ou ao salão de beleza, você voltar ao carro, estacionado “rapidinho” sobre a calçada, e encontrar uma Multa Moral colada no para-brisa. Não precisa pagar nada, apesar da sugestão do boleto para que você doe R$ 50 para alguma instituição de caridade. Basta que você se sinta envergonhado o suficiente e evite cometer o mesmo erro de novo.
Há cerca de um mês, começou a circular nas redes sociais um talão de Multa Moral que permite a qualquer cidadão “multar”, pelo menos moralmente, quem estaciona em locais proibidos. Funciona assim: o internauta baixa o arquivo, imprime o talão e passa a andar com alguns exemplares no bolso. Ao ver um carro estacionado em vagas de deficientes, na entrada ou saída de outros veículos ou sobre calçadas, é só marcar a devida irregularidade no boleto e deixá-lo visível para o proprietário do veículo. Se a estratégia já diminuiu o número de infrações? Não se sabe. Mas que a campanha está fazendo barulho...
Quem teve a ideia de disponibilizar o talão de Multa Moral nas redes sociais foi o corretor de seguros pernambucano Fabiano Guerra, de 41 anos. Ele sempre teve o hábito de deixar recados desaforados nos para-brisas de carros estacionados em locais proibidos, principalmente em vagas de deficientes. Certo dia, conversando sobre a prática com um amigo, conheceu o grupo de discussão Direitos Urbanos do Facebook. Foi quando teve a ideia.

É o lado bacana das redes sociais: o movimento criado por Fabiano lá no Recife levou a Associação de Moradores e Amigos de Santa Teresa (Amast) a retomar uma campanha feita há dois anos, no tempo em que o bairro carioca ainda tinha bonde. Na época, a Amast distribuiu entre os moradores um talão amarelinho para que os veículos estacionados sobre as calçadas, e que impediam o trânsito dos bondes, fossem notificados informalmente.

— O poder público se omite em regularizar o estacionamento problemático em Santa Teresa. Aqui, faltam vagas e sinalização adequada, e sobram turistas, que não sabem onde ou como estacionar. O resultado é um monte de carros nas calçadas, e hotéis transformando a rua, que é pública, em estacionamento privado. Começamos a campanha, que durou um ano, mas logo muita gente se sentiu incomodada, achou que era abusiva. Mas vamos retomá-la agora, pois temos recebido muitas reclamações sobre carros de novo — explica o advogado da Amast, Abaeté Mesquita, garantindo que o talão atualizado estará disponível em breve no site da associação.

Outra capital que também já tem um movimento de Multa Moral para chamar de seu é São Paulo: no final do ano passado, o arquiteto e professor do Instituto Europeu de Design Renato de Almeida Prado, de 35 anos, criou, em parceria com o designer Henrique Palazzo, de 31 anos, o site “Multa Moral”, que apesar do nome não oferece talões ou boletos. A característica principal do endereço eletrônico é divulgar fotos de carros estacionados irregularmente, criando uma espécie de campanha coletiva de conscientização no trânsito.

— Tivemos essa ideia partindo do princípio de que todo mundo tem câmera no celular, o que torna esta fiscalização muito mais fácil. Não achamos que o dono vai entrar no site e se sentir constrangido ao ver seu carro flagrado ali, sabemos que não funciona assim. Nossa intenção não é vigiar para punir, mas vigiar para educar: a gente quer criar o hábito das pessoas se indignarem diante das arbitrariedades no trânsito — argumenta Renato, cujo site abriga fotos de carros malparados em Curitiba e até em Paris, o que demonstra o alcance da campanha.

Para Renato, que além de arquiteto é mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP e desenvolve pesquisas em mecanismos de colaboração em rede, o site se tornou um instrumento de estudo:

— Não é que as pessoas estejam mais indignadas agora. O que acontece é que estamos cada vez mais conectados. O número de pessoas que passa o dia com o Facebook aberto dobrou de 2010 para 2011. Essa é a base do que a gente acredita: se estamos o tempo todo em rede, precisamos atuar em rede.

O antropólogo Roberto DaMatta concorda. Ao analisar o comportamento do brasileiro no trânsito no ensaio “Fé em Deus e pé na tábua: como e por que você enlouquece dirigindo no Brasil”, publicado em 2010, DaMatta chegou a duas conclusões importantes: a primeira é a de que a figura do outro não existe para os motoristas tupiniquins. “Tantas irregularidades sobre rodas podem ser atribuídas principalmente à cultura do brasileiro em dispor do espaço público como seu e de mais ninguém”, diz DaMatta no ensaio. A segunda conclusão é a de que não há solução que não passe por campanhas de educação que reforcem a noção de igualdade.


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