Quem matou?


Walnize Carvalho

O dia chegou... A tarde corre... e, pelo visto, até a chegada da noite a expectativa: - Quem matou a Norma de "Insensato coração"?
E nos últimos dias tome enquete em site de revistas (com direito a prêmios), tardes intermináveis de debates na tevê com especialistas no assunto que vão desde psicólogos, jornalistas, detetives, delegados, artistas e roteiristas.
Nas rodas do centro da cidade ; nos bares; nos salões de festas; nos encontros casuais no shopping; nas salas de espera; no ônibus e vans; nas filas de bancos, padarias e supermercados; nos bate papos dos internautas; nos cabeleireiros e barbearias (afinal, homem também vê novela) a pergunta é a mesma: - Quem matou?
Diante da ansiedade coletiva lembro-me da frase primorosa do grande Nelson Rodrigues: “A televisão matou a janela”. E é ela quem suscita em mim alguns questionamentos:
Quem matou o prazer de abrir janelas e portas e saudar o dia que nasce?
Quem matou a alegria das cadeiras nas calçadas em conversas descompromissadas nos fins de tarde?
Quem matou a algazarra de crianças jogando bola nas ruas sob a luz do luar?
Quem matou as cartas escritas, as mensagens de amor em desenhados cartões, os bilhetinhos feitos em pedacinhos de papel?
Quem matou a crença em um Ser sublime, o temor a Deus, as mãos postas em oração?
Quem matou a humildade, a solidariedade, a caridade, o “fazer o bem sem olhar a quem”?
Quem matou o abraço, o afago, o afeto, o “boa-noite” com historinhas para fazer dormir?
Quem matou o impulso de sair da frente da telinha (porque não na hora do folhetim das nove?) e ir ao encontro de um amigo; de fazer uma visita; de ler um bom livro; de ser ouvinte de histórias (ainda que repetidas) de um idoso; de ir ao cinema assistir a um filme (uma comédia romântica, por exemplo, nos dá uma sensação de leveza!); de prestigiar eventos culturais (música, dança, teatro) que permeiam pela cidade?...
Quem matou o meu olhar sobre a leveza dos gestos, sobre o humor existente nos fatos, sobre a beleza pulsante nas coisas, sobre a sutileza das palavras e tornou minha crônica assim tão árida, assim tão fria, assim tão questionável, assim...assim...quase mórbida como o assassinato de um personagem da novela das nove?...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Alzira Vargas: O parque do abandono

Carta de despedida de Leila Lopes