A terceira via sem Ciro Gomes

Texto do jornalista Cristian Klein, do "Jornal do Brasil":

"E como previsto, Ciro Gomes saiu do páreo e caiu disparando. A cada entrevista é como se abrisse o tambor do revólver para inserir mais munição. O alvo do rancor e das mágoas, que nos últimos dias havia sido seu partido, o PSB, por não lhe dar o apoio esperado, voltou a ser o governo. Ciro criticou o presidente Lula (por se achar todo-poderoso) e a pré-candidata petista Dilma Rousseff, a quem considerou menos preparada para governar o país que José Serra (PSDB).
A declaração deu uma medida de quanto a decepção de Ciro atingiu as raias do ódio, da revanche, a ponto de chegar a elogiar Serra, seu inimigo histórico, com quem travou uma batalha difamatória nas eleições de 2002. Tudo para extravasar sua raiva, para mostrar que é capaz de fazer um estrago na candidatura governista e vender caro, não o seu apoio, mas o seu silêncio. Nos próximos dias, a campanha de Dilma terá que se preocupar menos com os ataques tucanos e mais com o fogo amigo de Ciro.
Um amigo que, no seio da base governista, acalentou o projeto de ser uma terceira via à polarização entre PT e PSDB. A opção Ciro era um plano B, conveniente para a situação enquanto a candidatura Dilma não ganhava musculatura para enfrentar José Serra. A partir do momento em que essa condição se desfez, a inclusão do deputado no cenário eleitoral virou uma pedra no caminho. Ela atrapalha a construção de palanques regionais únicos e o objetivo do governo de transformar a disputa em um plebiscito entre a era FHC e os anos Lula. A estratégia plebiscitária, para ser penetrante, não poderia contar com um segundo candidato governista, ainda mais com o perfil autônomo, independente como o de Ciro.
O voto em Ciro não seria uma escolha do eleitor pela simples continuidade do governo Lula. Seria algo além. Representaria uma desconfiança em relação às habilidades de Dilma como líder política para comandar o país. Essa tática, de se diferenciar de Dilma pelo confronto de biografias, e não por questões centrais de política pública, já havia sido anunciada pelo ex-ministro. Ciro não bateria nos programas do governo Lula (bem como a oposição não baterá), mas com toda a probabilidade teria que bater em Dilma.
Num cenário provável, com Serra liderando as pesquisas, como está hoje, e a petista em segundo lugar, não restaria outra opção a ele, para alcançar o segundo turno, se não a de tirar os votos dela. Sua campanha teria a marca do discurso anti-Dilma. Seria uma concorrência interna pelo status de melhor representante do governo. Mas a eventual derrota da ex-ministra seria, indiretamente, uma derrota de Lula, fiador de sua candidatura. Se o campo governista ganhasse, com Lula perdendo, a vitória seria de Ciro.
Como já foi dito, na escolha por Dilma Rousseff – sem experiência prévia como política – teria contado no cálculo de Lula o seguinte pensamento: se ela vencer a eleição, terá sido por causa da popularidade do presidente; se perder, terá sido pelos próprios defeitos dela. Lógica semelhante poderia se aplicar à participação de Ciro: se ele vencesse, teria sido apesar de Lula, por cima de sua predileção por Dilma; se perdesse, com o apoio presidencial, teria sido porque Lula não foi o grande eleitor que se imaginava.
Ciro, ferido, continuará disparando. Receberá a atenção que merece só até quando não fizer mais sentido ouvir as queixas de um ator que não é mais relevante no cenário eleitoral. Ou até quando seus ataques demonstrarem somente a irritação com um projeto pessoal interrompido. É verdade que o Brasil, um país de tradição multipartidária, não precisa se restringir a praticamente duas opções a cada eleição presidencial, como tem ocorrido – até o Reino Unido já começa a quebrar a histórica polarização entre conservadores e trabalhistas, com o crescimento dos liberais. Mas é preciso que a terceira via tenha um corpo de ideias consistente e represente realmente uma alternativa, além de um projeto de poder. "

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