O mito Leila Diniz



Leila Diniz Escrito por Bruno Hoffmann


Toda mulher quer ser feliz

Ela passou a breve vida em busca da felicidade, mas encontrou muitos obstáculos nessa empreitada. Sua postura libertária incomodou a direita e a esquerda, num tempo em que a patrulha ideológica dava plantão 24 horas por dia. Depois da morte, tornou-se mito. “Sem discurso nem requerimento, Leila Diniz soltou as mulheres de 20 anos presas ao tronco de uma especial escravidão”, sentenciou Drummond.

Setenta e dois. Esse foi o número de asteriscos que substituíram os palavrões proferidos por Leila Diniz numa histórica entrevista ao Pasquim, em 1969. Escândalo nacional. Não só pelas palavras, mas também pela postura libertária da entrevistada de apenas 24 anos: “Tive casos mil. Na minha cama dormem algumas noites, mais nada. Nada de estabilidade”; “Você pode amar muito uma pessoa e ir pra cama com outro”; “Censura é ridículo, não tem sentido nenhum”. Por causa dessa edição, os militares baixaram um decreto que autorizava a censura prévia à imprensa – apelidado de “decreto Leila Diniz”.

A sua maneira espontânea – num tempo de patrulhas ideológicas para todos os lados – angariou antipatias. Os militares diziam que a atriz atentava contra os bons costumes. Os telespectadores prometiam nunca mais assistir a novelas em que ela estivesse presente. As feministas esbravejavam. Uma líder feminista afirmou: “Ser mulher é mais do que sair dando por aí”. Um diretor da Globo foi além: “Não estamos pensando em colocá-la na próxima novela. Não tem papel de prostituta”.

A beleza fora do comum, talento nas interpretações e carisma hipnotizante atraíam os holofotes. Mas a Leila de fora das telas sempre provocou mais comentários. Em 1971, causou escândalo novamente ao aparecer em capas de revista de biquíni, com uma enorme barriga de seis meses de gravidez. No livro Ela É Carioca – Uma enciclopédia de Ipanema, Ruy Castro descreve: “As grandes massas nunca tinham visto aquilo. Hoje pode soar absurdo, mas choveram protestos, indignação e repulsa contra o gesto de Leila. Falou-se em deboche contra a maternidade, em afronta à Virgem Maria. Mas o grande problema não era a gravidez nem o biquíni. Era Leila Diniz”.

De professora a mito

Leila nasceu em 25 de março de 1945, em Niterói. Aos 15 anos, tornou-se professora de maternal e jardim de infância. Quem via a linda professora, rodeada de anjinhos e pestinhas, não poderia imaginar o furor que causaria poucos anos depois. Mas já havia indícios. Na sala de aula, aboliu a mesa de professor e adotou uma igual à dos alunos. Mesmo com reclamações dos pais, tratava os pimpolhos de igual para igual. Ela os adorava, e a recíproca era verdadeira.

Aos 17 anos, conheceu o cineasta Domingos de Oliveira, apaixonou-se e foram viver juntos. Pouco tempo depois faria a sua primeira peça de teatro. Também passou a ser convidada para novelas, principalmente da Tupi, Excelsior e Globo. Mas o cinema era a sua paixão. Fez parte de muitos filmes: Todas as Mulheres do Mundo, O Homem Nu, A Madona de Cedro. Sem preconceitos, atuava em filmes históricos como Corisco, o Diabo Loiro, de Carlos Coimbra, e comédias deslavadas, como O Donzelo, de Stefan Wohl. “Eu faço qualquer coisa que me dê alegria e dinheiro, seja Shakespeare ou Glória Magadan”, dizia. Ao todo, participou de 14 filmes.

Lá pelo fim dos anos 1960, Leila já era uma pessoa conhecida, mas depois da entrevista ao Pasquim, a coisa mudou de ares. Os convites para novos papéis passaram a ficar raros, e ela se assustou. O dinheiro minguava a cada dia. A moça até aceitou ser jurada do programa de Flávio Cavalcanti, dando notas aos aspirantes a cantores.

A carreira no cinema continuava. No começo dos anos 1970, assumiu papéis de destaque em filmes como Mãos Vazias e Amor, Carnaval e Sonhos. A despeito do preconceito que sofria, continuava a viver com liberdade. Saiu com os homens que quis – e não foram poucos. Seu jeito avançado atraía muitos interessados. Alguns desinformados a viam como uma mulher fácil. Não percebiam que era ela quem escolhia com quem sairia, não o contrário. Houve até quem oferecesse dinheiro por uma noite com ela. Para um empresário paulista, deu uma resposta categórica: “Eu me deito com todo mundo. Mas não com qualquer um”.





Toda mulher é meio Leila Diniz

Um dia, Leila decidiu que era hora de ser mãe. Escolheu o cineasta Ruy Guerra como pai, escandalizou o País com a barriga de fora, foi eleita a grávida do ano no programa do Chacrinha e deu à luz a Janaína. O amor pela filha era de devoção – talvez uma forma de compensar ter sido abandonada pela mãe aos sete meses de vida. Em junho de 1972, viajou para receber o prêmio de melhor atriz no Festival de Cinema da Austrália por Mãos Vazias, de Luiz Carlos Lacerda. Adiantou a volta em um dia, por saudade de Janaína. Mas o avião em que viajava explodiu sobre Nova Déli, na Índia. Tinha apenas 27 anos; Janaína, sete meses – por uma coincidência trágica, a mesma idade em que a mãe de Leila a abandonara.



A morte comoveu o País. Surgiram canções em sua homenagem: Leila Diniz (Martinho da Vila e Nei Lopes), Coqueiro Verde (Erasmo Carlos). Em Todas as Mulheres do Mundo, Rita Lee canta: Toda mulher quer ser amada / Toda mulher quer ser feliz / Toda mulher se faz de coitada / Toda mulher é meio Leila Diniz. Tornou-se também uma espécie de símbolo da liberdade feminina. O poeta Carlos Drummond de Andrade resumiu: “Sem discurso nem requerimento, Leila Diniz soltou as mulheres de 20 anos presas ao tronco de uma especial escravidão”.

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