O lixo, a flor e a lição


Walnize Carvalho
Havia um quê de impaciência naquela maneira de varrer a calçada pela moça que eu observava à distância.
Na manhã de sol a pino lá estava ela tentando deixar limpa a frente de sua casa. Cena, até certo ponto incomum nos nossos dias, pois pouco se vê moradores se ocuparem desta função, depois da presença diária de lixeiros com carrinho manual.
O silêncio reinante na rua (ainda era cedo para a presença dos trabalhadores) fazia com que se ouvisse ao longe o ranger das fibras de piaçaba da vassoura sobre o cimento cru do passeio público.
A sofreguidão aumentava à proporção que ela não dava conta da tarefa, pois o vento empurrava pela rua as folhas secas que vinham de uma frondosa árvore plantada em frente à casa do vizinho. As referidas folhas corriam livres, feito crianças soltas no recreio do pátio de uma escola e, desta forma, a moça as tratava: como rígida inspetora de alunos usando de aspereza e impertinência.
E segue a jovem ziguezagueando na calçada, ora com passos cronometrados tal qual um lutador de esgrima; ora com gestos assimétricos tal qual um balé contemporâneo.
De cenho fechado, suor escorrendo pela face, manuseava com firmeza seu instrumento de trabalho, que obedecia aos comandos de sua dona.
O que se observava era o desejo – obstinado desejo – de eliminar o lixo espalhado pelo chão.
A duras penas reuniu pontas de cigarro, papéis picados, filipetas de propaganda, latinhas de refrigerantes (como se joga lixo na rua, não é?) e as folhas secas que, anteriormente, ela as pisoteava sem dó nem piedade.
Sentindo-se vitoriosa pelo feito e aproveitando a rua deserta sentou-se na beira da calçada, no instante em que uma flor despencava da árvore (esta plantada em frente à sua casa) e caia aos seus pés.
Sorriu com ares de surpresa e, dando-se por vencida, foi invadida por estranha ternura.
Dobrou os joelhos, colocou os cotovelos sobre eles e como quem acaricia os cabelos de uma criança quando se dá colo, assim o fez com a vassoura.
Ficou por ali alguns minutos. Olhar distante, ares de pensativa. Já relaxada avistou os bem te vis que lhe faziam companhia, desde os primeiros instantes em que por ali estava e que só naquele momento ela os percebia.
O assobio do entregador de jornais veio desviar a sua atenção.
Serena, varreu seus pensamentos para bem longe.
Levantou-se.
Olhou para o chão. Recolheu a flor. Colocou-a nos cabelos.
Com novo sorriso estampado na face entrou em casa de braços dados com a vassoura. Com semblante renovado, tinha-se a impressão que a exaustão dera lugar à aptidão de cumprir outras tarefas do longo dia que teria pela frente.
Deixei também o meu portão levando comigo lições de sabedoria: quantas vezes queremos expurgar um mal (uma angústia, uma dor, um problema) com determinação e pressa.
Lutamos bravamente até a exaustão, mas somente damos conta de que com serenidade e paciência é que conseguimos dissipar nosso “lixo” acumulado.
Ao longe, os pássaros ( como a comungar com minhas reflexões) repetiam: _Bem te vi... _Bem te vi...

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