O Anjo Pornográfico




Há 30 anos, Nelson Rodrigues deixava muito mais que 17 peças, nove romances e centenas de contos e crônicas, que também serviram de inspiração para um punhado de filmes e novelas que marcaram o audiovisual brasileiro. Após enfrentar problemas cardíacos e respiratórios, o autor foi tragado por uma de suas maiores obsessões: a morte. Faleceu no dia 21 de dezembro de 1980, deixando um buraco na literatura e na dramaturgia nacionais.

Sobre si mesmo, falou: "Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico."

Aqui, um excelente perfil do dramaturgo e cronista.

Fanático pelo Fluminense, criou toda uma mitologia de personagens ligados ao futebol, como o "Sobrenatural do Almeida". Em relação aos seus críticos, forjou a expressão "idiotas da objetividade". Frasista de mão cheia, observava a sociedade que o cercava pela ótica dos subúrbios carioca.

Invejo a burrice, porque é eterna.

Muitas vezes é a falta de caráter que decide uma partida. Não se faz literatura, política e futebol com bons sentimentos...

Não existe família sem adúltera.

Não se apresse em perdoar. A misericórdia também corrompe.

Nem todas mulheres gostam de apanhar, só as normais.

O amor entre marido e mulher é uma grossa bandalheira. É abjeto que um homem deseje a mãe de seus próprios filhos.

O brasileiro, quando não é canalha na véspera, é canalha no dia seguinte.

O dinheiro compra até o amor verdadeiro.

O pudor é a mais afrodisíaca das virtudes

Qualquer indivíduo é mais importante do que a Via Láctea.

Só o cinismo redime um casamento. É preciso muito cinismo para que um casal chegue às bodas de prata.

Só o inimigo não trai nunca.

Todo ginecologista devia ser casto. O ginecologista devia andar com batina, sandálias e coroinha na cabeça. Como um São Francisco de Assis, com luva de borracha e um passarinho em cada ombro.

A plateia só é respeitosa quando não está a entender nada.

A liberdade é mais importante do que o pão.

Se todos conhecessem a intimidade sexual uns dos outros, ninguém cumprimentaria ninguém.

Só o rosto é indecente. Do pescoço para baixo, podia-se andar nu.

A prostituta só enlouquece excepcionalmente. A mulher honesta, sim, é que, devorada pelos próprios escrúpulos, está sempre no limite, na implacável fronteira.

As grandes convivências estão a um milímetro do tédio

O jovem tem todos os defeitos do adulto e mais um: o da inexperiência.

Convém não facilitar com os bons, convém não provocar os puros. Há no ser humano, e ainda nos melhores, uma série de ferocidades adormecidas. O importante é não acordá-las.

Tudo passa, menos a adúltera. Nos botecos e nos velórios, na esquina e nas farmácias, há sempre alguém falando nas senhoras que traem. O amor bem-sucedido não interessa a ninguém.

Nós, da imprensa, somos uns criminosos do adjetivo. Com a mais eufórica das irresponsabilidades, chamamos de "ilustre", de "insigne", de "formidável", qualquer borra-botas.

A grande vaia é mil vezes mais forte, mais poderosa, mais nobre do que a grande apoteose. Os admiradores corrompem.

O brasileiro não está preparado para ser "o maior do mundo" em coisa nenhuma. Ser "o maior do mundo" em qualquer coisa, mesmo em cuspe à distância, implica uma grave, pesada e sufocante responsabilidade.

Ou a mulher é fria ou morde. Sem dentada não há amor possível.

Toda mulher bonita leva em si, como uma lesão da alma, o ressentimento. É uma ressentida contra si mesma.

Comentários

walnize carvalho disse…
Amigo Cláudio,
Excelente postagem!
Como estou em Niterói para o Natal e às voltas com as netas, só agora passei por aqui.E que bom que você tenha falado do grande Nelson(estava os meus planos lembrar dele!).É a sintonia que une nós aqui do "Sociedade"!!!

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