Como se faz...


A Crônica Original

(Extraído do livro "O Homem ao Quadrado", de Leon Eliachar, publicado em 1960)

Fazer crônica não é escrever palavras bonitas nem construir frases de efeito, nem falar dos inimigos, nem elogiar amigos, nem descrever paisagens, nem contar casos fictícios querendo dar a impressão de verdadeiros, nem procurar assunto na falta de assunto, nem encher uma lauda pra dizer que o dólar está subindo, nem responder cartas de leitores, nem inventar cartas pra fingir que recebeu, nem tentar convencer ninguém que a vida é de amargar, nem querer impingir nos outros que em tudo há poesia, nem achar tudo triste, nem achar tudo alegre, nem falar de sua solidão, nem de seus problemas, nem dizer o que fez ontem ou o que vai fazer amanhã, nem desabafar seus problemas, nem enumerar seus vícios, nem querer corrigir os dos outros, nem bancar cabotino, nem o falso modesto, nem imaginar o tipo de mulher ideal, nem provocar enquetes, nem manter polêmicas, nem analisar a situação internacional, nem combater o governo, nem defendê-lo, nem dizer o que faria se fosse o presidente da República, nem contar numa segunda-feira onde passou o fim de semana, nem lutar pela semana inglesa, nem transcrever artigos de revistas estrangeiras, nem rememorar velhos tempos, nem citar amigos para fazer igrejinhas, nem anunciar a primavera, nem falar na falta d'água, nem endeusar os jogadores de futebol, nem proclamar que o Brasil está à beira do abismo, nem combater o cinema nacional, nem criticar o nosso teatro, nem ironizar as quase vitórias das nossas misses, nem fazer previsões para as campanhas eleitorais, nem tirar conclusão de coisa alguma.

- E você consegue fazer uma crônica sem nada disso?

- Claro: olha aí pra cima.

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