Mulheres têm menos espaço na literatura, mas leem mais e dominam prêmios
Do:IG
Historicamente esquecidas pelas premiações, escritoras ganham principais troféus recentes; cobertura na imprensa ainda é desigual, e autoras reclamam de "capas femininas"
Quando a canadense Alice Munro ganhou o Nobel de Literatura, em outubro do ano passado, era difícil prever que aquele seria apenas o primeiro de uma série de prêmios literários entregues a mulheres recentemente.
Desde então, o Man Booker Prize ficou para a neozelandesa Eleanor Catton; o Pulitzer de ficção foi para a norte-americana Donna Tartt; o Cervantes premiou a mexicana Elena Poniatowska; enquanto o National Book Critics Circle agraciou a nigeriana Chimamanda Ngozi Adicihie e a norte-americana Sheri Fink.
A onda de reconhecimento chamou a atenção dada a histórica baixa representação feminina em premiações literárias. Munro, por exemplo, foi a 13ª mulher a ganhar o Nobel desde que ele começou a ser entregue, em 1901, enquanto Poniatowska foi apenas a quarta premiada nos quase 40 anos de história do Cervantes.
Isso apesar de as mulheres, em geral, lerem mais. No Brasil, pesquisa divulgada em 2012 pelo Instituto Pró-Livro classificou como leitores 43% dos entrevistados homens e 57% das mulheres. O estudo também mostrou que elas leem mais tanto por iniciativa própria quanto obras indicadas pela escola, e tendem a concluir mais livros do que os homens.
Além disso, a mãe foi apontada pelos entrevistados como a segunda maior figura incentivadora de leitura, atrás do(a) professor(a) e à frente do pai.
Se leem mais, por que as mulheres são menos lidas? Em geral, a questão não está em conseguir ter um livro publicado, mas em como ele é publicado - na atenção que recebe da editora, da mídia e dos prêmios.
“Me parece que as chances de publicar e ser lido são as mesmas. As editoras estão interessadas em literatura de qualidade, ou literatura que venda, independentemente do gênero de quem escreve”, afirma ao iG a escritora chilena Carola Saavedra, que mora no Brasil desde a infância e é autora de "O Inventário das Coisas Ausentes".
Para ela, a diferença está no "reconhecimento oficial". "Basta dar uma olhada nos finalistas dos prêmios mais importantes nos últimos dez anos (no Brasil). Veremos que a média é de duas mulheres para oito homens, sem falar que raramente uma recebe o principal.”
Neste ano, as principais categorias do Jabuti premiaram escritores. O Prêmio São Paulo de Literatura e o Camões ainda não anunciaram ganhadores, mas em 2013 foram para homens.
Além dos prêmios, as mulheres também costumam ter menos espaço na imprensa, como mostra um relatório anual norte-americano conhecido como "VIDA Count". O mais recente, divulgado em fevereiro, apontou que, em 2013, a maioria das publicações literárias no mundo produziu bem mais críticas de livros escritos por homens.
No "London Review of Books", por exemplo, foram publicadas resenhas de 245 livros de autores masculinos e 72 de escritoras mulheres; no "New York Review of Books" foram 307 contra 80; na revista "The New Yorker", 436 contra 136; na "Paris Review", uma rara exceção: por um livro, as mulheres foram maioria.
O levantamento inspirou o crítico norte-americano Matthew Jakubowski a repetir a iniciativa de colegas como Lilit Marcus e Jonathan Gibbs: decidiu que só leria livros escritos por mulheres em 2014. Ao iG, Jakubowski disse ter sido convencido, principalmente, pelas estantes de sua casa.
"Olhei para elas e percebi que a vasta maioria dos livros que tenho foram escritos por homens. Senti que meus hábitos de leitura estavam sendo guiados pelo sexismo do mercado editorial e da mídia, e só ler livros escritos por mulheres me pareceu o modo mais rápido de alcançar alguma coisa, mesmo que bem pequena", afirma, acrescentando que a experiência tem sido "instrutiva" e que não houve oposição por parte das publicações nas quais trabalha.
O movimento liderado pelos críticos ganhou novas proporções com a campanha #readwomen2014, criada pela escritora britânica Joanna Walsh, autora de "Fractals" e "Hotel". Tudo começou quando ela postou no Twitter fotos de marcadores de livros que tinha feito, com imagens e nomes de autoras que admirava. Atendeu aos pedidos para que publicasse a lista de escritoras, aceitou sugestões de internautas e, em pouco tempo, começou a receber fotos de livrarias que criaram um espaço inspirado em sua hashtag.
"Estou feliz que a ideia tenha o apoio não só dos leitores, mas também das pessoas que vendem e publicam livros", afirma. "Espero que falar sobre a diversidade da escrita feminina - no Twitter, em sites, blogs etc - permita que um número maior de escritores se conecte com o público."
A questão da capa
Walsh tem outras sugestões sobre como fortalecer a posição da mulher no mercado editorial, definidas por um grupo que se reuniu no festival Women of the World, realizado em março em Londres. As medidas vão desde ajudar mulheres (e homens) com filhos a participar de conferências até melhorar o projeto gráfico dos livros, "para evitar capas femininas homogêneas e engajar público amplo."
Na intenção de vender livros de mulheres para mulheres, é comum que as editoras optem por capas com toque feminino, cheias de flores e cores suaves, que muitas vezes dão impressão errada sobre o tema da obra.
Em artigo publicado no jornal "The Guardian" em 2010, a autora Lionel Shriver disse que seu livro "Game Control", com protagonista masculino e sobre um plano de assassinato, quase recebeu uma capa que mostrava “uma moça jovem e cativante, usando chapéu e olhando para o horizonte”. Quando sugeriu carcaças de elefante, ouviu do departamento comercial que animais mortos repelem as mulheres.
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“As ideias do mercado editorial sobre o que as mulheres querem são antigas e condescendentes”, escreveu. “Quando meus romances são ‘embalados’ exclusivamente para mulheres, não apenas sou cortada de uma porção vital do público, como classificada como uma autora que o establishment literário pode ignorar.”
É aí que, segundo Jakubowski, os recentes prêmios literários podem ser "um bom sinal". “Se os editores e críticos virem mais e mais mulheres conseguindo reconhecimento de alto nível, com o tempo talvez não tentem vender os livros delas usando truques de marketing bobos."
Cota feminina
Mas e se as premiações escolhem as mulheres não pela qualidade da obra, e sim porque "pega bem" pregar a igualdade?
Curador da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), maior evento do gênero no Brasil, o editor e jornalista Paulo Werneck diz que a presença feminina na programação de 2014 se deu de forma natural (neste ano, há sete mulheres entre os 40 convidados, incluindo Catton, vencedora do Man Booker).
"Acho que há duas questões. Uma é que somos todos iguais, então não tem de haver distinção: nem para selecionar, nem para excluir", afirma. "Por outro lado, depois que a gente descobre que é igual, é hora de investigar quais são as diferenças - porque elas são ricas e interessantes. Quanto mais singular e diferente, mais forte é a experiência literária."
"Não fiquei pensando: 'preciso de uma mulher' ou 'preciso de mais mulheres'", acrescenta Werneck. "Mas sei que elas estão me garantindo uma Flip maravilhosa. São mulheres importantes, de prestígio, de poder, que não convidei por serem mulheres, mas porque são grandes narradoras, grandes escritoras e grandes intelectuais."
Joanna Walsh espera que os prêmios literários não sigam "cotas" femininas, mas diz que mesmo delas pode-se tirar algum progresso. "Espero que não seja o caso, mas, para ser honesta, não me importo se começar assim", diz a criadora do #readwomen2014. "Os leitores não podem descobrir a diversidade da escrita feminina se ela não for oferecida nas mesmas plataformas que eram dominadas por homens."
Comentários
O texto foi extraído do site IG (conforme citado) e é de autoria da jornalista Luísa Pécora , iG São Paulo publicado em 24/05/2014.
Obrigada pela visita ao blog.