Encontro inadiável




Walnize Carvalho
-

Desta tarde não passa! balbuciou, enquanto se olhava ao espelho.E acrescentou: - Não dá mais para adiar o tão sonhado encontro. ..
Afinal – pensou - nasceram juntas, foram criadas juntas. E, de há muito não se encontravam. Não por falta de querer, de necessitar até.
Mas... com verão, as férias e a presença festiva das netas, resolveu deixar seu projeto para momento oportuno. Sem abatimento e até imbuída de saudade e prazer, acompanhou os momentos de muito agito e poucas horas de descanso vivenciados pelas meninas. E foram dias de banhos de mar em demasia; de comida fria sobre o fogão; de sonoras gargalhadas na varanda; de passeios vesperais no calçadão; de troca troca de roupa, de sussurros e confidências com as amigas. Para elas, as palavras de ordem eram: animação, descontração e ... confusão. As disputas ocorriam a cada minuto: na rede, no lugar à mesa, na fila do chuveiro, em frente ao espelho e no colo da avó.
Gastaram energia, contabilizaram momentos felizes e solidificaram amizades.
À ela– a matriarca da família – coube a função de “ botar ordem no vespeiro”,que iam desde preparar lanches, recolher toalhas molhadas sobre as camas, arrumar revistas espalhadas e atender às coleguinhas no portão...
E, agora, com o fim das férias escolares era a hora da despedida.
As netas se foram.
E naquela tarde, enquanto se olhava no espelho, sentiu que era chegado o momento do sonhado encontro. Já não era sem tempo. Tempo de matar saudades, escutar, dialogar, chorar dores acumuladas, dividir vitórias alcançadas, falar de planos futuros, relembrar o passado, pôr em dia o presente, reavaliar decisões tomadas, filosofar, rir de frivolidades, comentar assuntos triviais: moda, a nova novela das oito, o novo corte de cabelo, a dieta sempre adiada.
Fazer um pouco de análise sobre a crise mundial, futebol, Big Brother... sei lá!
Gastar alguns minutos, quem sabe, horas botando o papo em dia...
E foi neste ímpeto de desejo inadiável que ela decidiu ir ao encontro dela. Saiu-se de frente do espelho.
Tomou uma ducha de água fria, ajeitou os cabelos molhados e os amarrou com um laço de fita.
Arrumou-se de forma despojada (afinal, a estação verão é um convite à descontração): vestido leve e colorido sobre a pele e sandália rasteira nos pés.
Abriu a porta de casa e partiu..
O sol já se punha quando caminhou em direção ao mar.
Sentou-se à sua frente olhando distraída a linha do horizonte.
O olhar fixo fez com que cerrassem as pálpebras.
Deixou-se levar pelo cansaço e estirou o corpo sobre a areia úmida em total entrega, ficando neste estado de letargia por algumas horas.
Foi despertada pelo ruído de um helicóptero que cruzava o céu em direção a alguma plataforma da Petrobras.
Pegou “carona” no voo e, afinal, foi ao tão sonhado encontro consigo mesma.

Comentários

Anônimo disse…
Puxa!
"Jogou no chão", hein!?
Sabe aquele texto que se inveja porque gostaria de tê-lo feito?
Taí.
O de hoje, me deixou "babando".
Parabéns, sempre.
walnize carvalho disse…
Obrigada pela cumplicidade.
Anônimo disse…
Não resisti e tive que reler.
Sinto vontade de indagar se teria um nome a técnica de induzir o leitor por um caminho e, ao final, aparecer de forma surpreendente outro.
Por favor e obrigado.

Postagens mais visitadas deste blog

Carta de despedida de Leila Lopes

Alzira Vargas: O parque do abandono