Nunca é demais

Do blog de Augusto Nunes:

"Caso a Justiça funcionasse de verdade, o Supremo Tribunal Federal seria dispensado de decidir se a Lei da Ficha Limpa é ou não aplicável a quem disputou as eleições de 2010: para empoleirar-se num palanque, políticos bandidos teriam de fugir da cadeia.
Caso o Poder Judiciário cumprisse sem hesitações o artigo 5º da Constituição (“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”), o STF estaria dispensado de fixar prazos de validade para normas destinadas a impedir que o Executivo e do Judiciário sejam infestados por prontuários ambulantes. Todos só conseguiriam candidatar-se a xerife de cela. Países que punem quem merece não precisam de leis da ficha limpa.
Na sessão que, simulando adiar o parto, abriu os preparativos para o enterro da lei, a discurseira à beira da sepultura confirmou que os oradores não enxergam as reais dimensões dos tumores que se avolumam no organismo judiciário.
O ministro Luiz Fux, que fechou o caixão com o voto de desempate, registrou que “a tentação da aplicação imediata é grande até para quem vota contra, mas deve-se resistir a ela”. Homenageou com lágrimas retóricas o natimorto (“um dos mais belos espetáculos democráticos”) e solidarizou-se com os que exigem dos políticos “moralidade no pensar e no atuar”. Feitas as ressalvas, rendeu-se a uma assombração identificada, em português castiço, como “a fria letra da lei”.
Para implodir a frágil barreira concebida para deter o avanço da tropa da ficha suja, o ministro Gilmar Mendes evocou outro fantasma poderoso: o “princípio da anterioridade”. Como a lei foi publicada em julho de 2010, ensinou, só pode valer a partir de julho deste ano.
“Um contribuinte não pode ser cobrado no futuro por um imposto que não existia no passado”, comparou. “Da mesma forma, o candidato não pode ser penalizado por regras que não existiam quando decidiu se candidatar”. Se não for assim, advertiu, o país estará exposto a uma expressão de altíssimo risco: a insegurança jurídica.
Para preservar a segurança que Gilmar Mendes tanto preza, um bandido juramentado não pode ser proibido de ocupar o cargo conquistado nas urnas só porque foi condenado em duas instâncias, como estabelece a Lei da Ficha Limpa.
Embora já fosse um delinquente duplamente condenado quando a campanha começou, o candidato precisaria saber com um ano de antecedência que um caso de polícia não merece um gabinete no Congresso. Parece complicado? É o Brasil."

Comentários

Marcelo Bessa disse…
Péssima análise. Extremamente superficial, casuística e sem qualquer fundamentação. É o típico "jogar para a torcida".
Não falo do autor do texto, pois nem sei quem é: falo do que está escrito, apenas. Textos assim só servem para confundir ainda mais a população...
Eu também queria a Ficha Limpa para 2010, mas não há como negar que isso é realmente impossível, porque não dá para apagar o artigo 16 da Constituição.
Fosse eu do STF e também votaria contra a aplicação nas últimas eleições: para ser aplicada em 2010 a lei deveria ter sido sancionada em 2009...
Aguardemos 2012 (há outras questões constitucionais que precisarão ser discutidas...).
Claudio Kezen disse…
Neto, amigo: todo cuidado é pouco com o que vem da linha editorial e das colunas da Veja. Um abração.
Amigos,
coloquei aqui justamente para analisarmos.
Bom saber que surtiu efeito. O que posso dizer é que, mesmo respeitando a Carta Magna, amigo Bessa, a não aprovação da Lei da Ficha Limpa foi decepcionante.
Vida que segue.
Abraços aos dois.
Claudio Marques disse…
Tem gente que ainda defende o indefensável.
Na boa.
Fiz 5 anos de faculdade, mas a cada dia que passa o Direito me dá mais nojo. Por achar muita burrice jogar estes anos no lixo, vou estudar, fazer um concurso para o TRE e trabalhar com meu amigo Bessa...rsrs
Mas os argumentos de alguns ministros são toscos. E vindo de quem vem, não merecem meu respeito.
Melhor parar por aqui.
Anônimo disse…
Neto,já refleti muito sobre a Lei da Ficha Limpa, desde o início de sua vigência.
Inicialmente, sem me preocupar ainda com questões de inconstitucionalidade, mas apenas de filosofia constitucional, achei que a lei era paternalista. Será que precisamos de uma lei definindo em quem podemos votar? Essa escolha não deveria caber aos eleitores? E os partidos políticos? Não deveriam eles sim fazer essa filtragem? Não deveriam os partidos zelar pela moralidade do processo eleitoral? É esperar demais?
Bem, depois de muito refletir, me lembrei que vivo no Brasil, e que esta lei é brasileira, e não suíça, e por isso o seu paternalismo - realmente existente - seria justificado. Justificado pelo alto grau de alienação e ignorância políticas dos eleitores brasileiros, inseridos em questões mais amplas de dependência econômica e social.
Aí me vieram as reflexões sobre as possíveis inconstitucionalidades.
E comecei a pensar: uma lei com tamanho respaldo popular, derivada de uma grande mobilização da sociedade, não poderia ser encarada como uma "reforma constitucional" (é a teoria de um constitucionalista norteamericano chamado Bruce Ackerman)a justificar o afastamento do art. 16 da CF/88, da irretroatividade e do princípio da inocência em matéria eleitoral?

(continua abaixo)
Anônimo disse…
(continuação)

Bem, independente da dificuldade de aplicarmos essa teoria do Ackerman ao nosso sistema constitucional, haja vista os bloqueios feitos pelas cláusulas pétreas às emendas constitucionais, os resultados da eleição de 2010 me fizeram refletir muito em sentido contrário!!!. Veja só: a lei da ficha limpa teve origem na iniciativa de 1.900.000 pessoas. Ok, legal. Mas vc sabe quantos votos receberam ao todo os candidatos considerados fichas sujas? Nada mais, nada menos do que 8.700.000 votos!!! A eleição para deputado federal no Rio que o diga!!! Revoltante!!! Isso sim me enoja!!!
E aí meu amigo, te pergunto: o "povo" está do lado de quem, da moralidade ou da oportunidade? Será que com este resultado ainda podemos apelar para a "vontade popular" como fundamento sério para que o STF decida a qualquer custo a favor da aplicação da lei para este ano?
Sinceramente, acho horroroso o voto do elitista Gilmar Mendes quando ele diz que o fato da lei ser de iniciativa popular não importa em nada. Me lembra aquele personagem de Chico Anísio que dizia "eu quero que o povo se exploda". É claro que julgar um decreto do presidente ou uma lei de iniciativa popular não são a mesma coisa, e isso o Gilmar deveria saber. É claro que importa, e deve haver um ônus argumentativo muito maior para derrubar uma lei desse tipo.
Mas o problema é que, na verdade, é muito difícil saber o que o povo realmente quer, e a expressiva votação nesses caras demonstrou isso. Por isso, meu amigo, é que o melhor para a democracia ainda é respeitar a Constituição. Respeitar a Constituição é também um grande dever moral, além de jurídico. E o art. 16 da Carta é regra que não deixa dúvidas: se a lei foi publicada em 2010, e altera o processo eleitoral (e condição de elegibilidade é elemento do processo eleitoral), a lei só pode valer para 2011. Por isso penso que, INFELIZMENTE, o STF acertou.
Mas, vale uma última observação: presenciamos um típico caso de "uso político do Supremo Tribunal Federal", e nesse ponto os ministros da Corte têm toda a razão de reclamar. É que quando os políticos editaram a lei e determinaram que ela valeria já para 2010, eles sabiam de antemão duas coisas: que isso seria constitucionalmente questionado no STF, e que o tema encontraria tanto ministros aplicando a Constituição em sua "literalidade", quanto ministros que colocariam a "vontade de moralizar o processo eleitoral de imediato" acima de regras mais claras da própria Constituição - e o Direito, cuja interpretação cada vez mais se flexibiliza em favor de princípios morais, permite essas manobras hermenêuticas e a grande divisão de opiniões na Corte. Assim, se ao final a decisão fosse no sentido de não poder aplicar a lei para este ano, a culpa não seria de quem demorou para editar a lei, mas de quem julgou que ela não pode ser aplicada agora. Trata-se da estratégia de "transferência de custos políticos" para a Corte. E o resultado não poderia ter sido outro: o vilão, ao final, foi o STF.
Desculpe-me se me alonguei demais, mas o tema merece. Ainda mais depois do jogo que acabei de assistir, sabe qual foi né?

Grande abraço,
Carlos Alexandre
Marcelo Bessa disse…
Está lá no artigo 16 da Constituição:
Art. 16 - A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.
Basta ler. É de "clareza solar": entra em vigor mas não tem eficácia, não surte efeitos antes de se passar um ano.
Dizer que a lei em questão não altera o processo eleitoral é forçar a barra (eis aí um argumento tosco). Tanto altera que o Congresso sofrerá várias modificações.
Repito: a Lei da Ficha Limpa é - se não a salvação - uma ótima chance de depuração do sistema eleitoral. Precisamos nos livra dessa corja.
Mas não se pode rasgar a Constituição: nos resta lamentar que a lei tenha sido promulgada somente no ano passado (realmente: isso foi decepcionante).
Em 2012 ela será finalmente aplicada!!!
OBS: que ninguém pense que sou contra a lei, por favor. Sou clara e francamente favorável.

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