Entrevista com Aldir Blanc


Esta entrevista com Aldir Blanc (Cronista e músico)foi realizada em 2007.Extraio fragmentos:

Fonte: Site da ABI

ABI Online — Antes de ingressar na música, você chegou a exercer a psiquiatria. O que o levou a estudar Medicina?
Aldir Blanc — Foi um comentário do meu pai. Ele me acompanhou a uma cerimônia no Colégio São José, onde eu estudava e havia tirado nota dez em todas as provas de Biologia, conquistando uma medalha de ouro. Ele jamais tinha dado um palpite sobre os meus estudos e me surpreendeu com o seguinte comentário: “Pelas suas notas em Biologia, acho que você deve estudar Medicina.”
ABI Online — Você estava convicto de ter feito a opção profissional certa?
Aldir — Nem então eu tive essa certeza. Quanto à paixão pela Reumatologia, acabou depois do 4º ano. Cheguei ao 5º e precisava ir a algum lugar, mas não tinha a menor idéia do que queria ser.
ABI Online — Até quando durou o interesse pela psiquiatria?
Aldir — Até eu começar a tocar percussão com o João Bosco e a fazer letras de músicas que me tomavam um tempo do estudo que eu achava essencial. Precisava sair à noite para tocar, às vezes até viajar... Foi um movimento que eu sabia que era definitivo, sem volta, embora me mantenha rigorosamente atualizado com os livros de psicoterapia e psicanálise. São leituras que fazem parte do meu círculo normal de leitura, com muito prazer.
ABI Online — Quais são suas outras leituras prediletas?
Aldir — Sempre li muito e tenho em casa cerca de 15 mil volumes. Comecei pelas leituras óbvias da juventude, como Monteiro Lobato e tudo que era aventura e capa e espada, além das coleções de Charlie Chan, Sherlock Holmes e Arsène Lupin. Mas dois títulos marcaram a minha adolescência: “A casa demolida”, do Sérgio Porto, e “Tijolo de segurança”, do Carlos Heitor Cony; atuaram em mim como se fosse um abalo sísmico, porque não eram os meus piratas ou detetives. Depois, comecei a comprar loucamente os autores brasileiros e outros estrangeiros consagrados.
ABI Online — Que autores brasileiros?
Aldir — Primeiro, Esdras do Nascimento, Adonias Filho e José Condé. Mais tarde, Jorge Amado, Guimarães Rosa e alguns poetas que lia menos. Eu me lembro que quando li pela primeira vez “Dentaduras duplas”, do Carlos Drummond de Andrade, tomei um choque e levei uns dois anos para compreender que era um poema magnífico.
ABI Online — Você é cria do Estácio e de Vila Isabel, bairros com tradição de samba e boemia. Isso influenciou sua formação artística?
Aldir — Meus livros “Rua dos Artistas e arredores” e “Porta de tinturaria” falam rigorosamente sobre a experiência dos anos vividos em Vila Isabel, dos almoços de domingo, com comida farta, muitas caixas de cerveja... Foi nessa época que acabei criando um temperamento sardônico.
ABI Online — Os personagens dos livros foram tirados dessas reuniões dominicais?
Aldir — Principalmente o Russo, que aparece nos dois. Ele é um cara suburbano do tipo madeira pra toda obra, tocava tão bem um martelo e um prego quanto consertava um telhado. Esse mesmo Russo, no segundo livro, encarna o personagem Esmeraldo Simpatia É Quase Amor, o homem de bigodinho fino que dá em cima de todas as mulheres.
ABI Online — O jornalista Maurício Azêdo, Presidente da ABI, acha que a sua crônica tem um estilo que lembra Sérgio Porto.
Aldir — É uma comparação que me honra, porque eu me lembro do prazer de ler a coluna que ele assinava como Stanislaw Ponte Preta, na Última Hora, e de ver “As certinhas do Lalau”, que nos levavam a grandes sonhos eróticos (risos). O Sérgio Porto usava a linguagem do cronista tarimbado em jornalismo; eu me aproximo dos personagens dos quadrinhos, que têm hora para entrar e sair da história, sempre com um fecho do mesmo alter-ego.
ABI Online — Você fez outro sucesso: “Amigo é pra essas coisas”.
Aldir — Essa música tem uma história inusitada. É um diálogo, que o Ruy e o Magro do MPB-4 transformaram em uma conversa entre quatro pessoas. Acredite quem quiser: não deu certo nem no ensaio geral. No entanto, quando eles entraram no palco, certos de que seria um tremendo fracasso, pela primeira vez funcionou, cativou o público. E está viva até hoje.
ABI Online — Que gêneros musicais são marcantes na sua formação de compositor?
Aldir — Quem me formou foi a seresta. Eu ouvia Sílvio Caldas, Onésimo Gomes, Orlando Silva, e ficava profundamente encantado com a riqueza das letras, com a capacidade de se criar imagens fascinantes com elas, como fizeram Lamartine Babo e Ary Barroso. Depois vieram Cartola e Nelson Cavaquinho, com versos que me marcaram profundamente.
ABI Online — Como nasceu a parceria com João Bosco?
Aldir — Ele estava na platéia de um desses festivais de que participei, sentado ao lado de uma pessoa que ele não sabia que era minha amiga, e disse: “Eu tenho dezenas de músicas que gostaria que fossem letradas por esse cara.” Nós nos encontramos e a coisa teve o efeito de uma cachoeira. Dessa primeira fase, gravamos “Bala com bala” e “Agnus sei”.
ABI Online — São quantas composições no total?
Aldir — Fizemos uma conta recentemente e contabilizamos, por alto, mais de 120 músicas. Se formos contar as inéditas e aquelas cujas letras ficaram pela metade, sobe para umas 150.
ABI Online — Depois de Tom Jobim, você e João Bosco são os autores mais gravados por Elis Regina.
Aldir — Como diz um amigo meu, perder para o Tom Jobim não é perder. Ele tem 30 músicas gravadas por ela e eu e o João temos 28, ou seja, somos os compositores vivos mais gravados pela Elis.
ABI Online — Quais são seus outros parceiros mais freqüentes?
Aldir — O Guinga, com quem já fiz entre 80 e cem composições, e o Moacyr Luz, um parceiro e tanto também. Depois vêm Jaime Vignoli, Sueli Costa, Edu Lobo, Lourenço Baeta (Boca Livre), Djavan e Ivan Lins. Sou autor de 500 composições, 450 das quais estão registradas em discos.
ABI Online — Você esperava ver “O bêbado e a equilibrista” virar o hino da Anistia?
Aldir — O que é bacana nessa música é que ela não nasceu ligada ao tema. Quando o Chaplin morreu, o João me chamou na casa dele e disse que havia feito um samba, cuja harmonia tinha passagens melódicas parecidas com “Smile” (do filme “Tempos modernos”), propositalmente construídas para que homenageássemos o cineasta. Só que, casualmente, encontrei o Henfil e o Chico Mário, que só falavam do mano que estava no exílio.
ABI Online — Surgiu aí a idéia de incluir o Betinho na letra?
Aldir — O papo com o Chico e o Henfil me deu um estalo. Cheguei em casa, liguei para o João e sugeri que criássemos um personagem chapliniano, que, no fundo, deplorasse a condição dos exilados. Não era a idéia original, mas ele não criou caso e disse: “Manda bala, o problema é seu.” A música foi cantada pela primeira vez, pela Elis, num programa em São Paulo. No dia seguinte, estava estourando em todo o Brasil e ainda nem tinha sido gravada.
ABI Online — Como foi seu primeiro contato com o Betinho?
Aldir — Ele retornou ao Brasil, depois da Lei da Anistia, e foi assistir a um show no Canecão (Rio). A gente se cruzou numa ida ao banheiro. Ele olhou para mim e falou, sorrindo: “É você, não é? Eu pretendia terminar os meus dias lá fora e voltei por causa dessa música, seu f.d.p.” E assim essa amizade se solidificou, a ponto de nos transformarmos, Betinho, Henfil, Chico Mário e eu, quatro irmãos.
ABI Online — Como se deu a sua integração com a turma do Pasquim?
Aldir — Um dia o Ziraldo me telefonou, pedindo um artigo especial para a edição de Natal. Eles gostaram da crônica e me pediram mais duas. Passou um tempo e o Ivan Lessa, uma das pessoas mais rigorosas que conheci, me telefonou e disse: “Parabéns, de hoje em diante você é membro da patota do Pasquim.”
ABI Online — Houve um momento em que você escreveu muito para jornais.
Aldir — Em relação a esse dado, acontece uma coisa muito curiosa. Toda vez que eu encontro um jornalista ortodoxo, escuto que não tenho nada a ver com jornalismo. De fato, pode ser que eu não tenha nada a ver. Mas durante 40 anos escrevi em todos os jornais do Rio. E ainda fui colunista do Estadão, a convite do Aluizio Maranhão (atualmente editor de Opinião do Globo).
ABI Online — Voltando à MPB, seus dois discos solo, “Aldir 50 anos” e “Vida noturna”, apesar de muito elogiados pela crítica, não tocam nas rádios.
Aldir — Não são apenas os meus discos que não tocam no rádio, a não ser em programas idealistas como o do Osmar Frazão, na Rádio Nacional. O problema foi e continua sendo o jabá. Para dar uma idéia, no começo da carreira eu e o João Bosco fizemos duas suítes de mais de 12 minutos cada, em parceria com o falecido cineasta Cláudio Tolomei, que ninguém conhece...

e mais...

Comentários

Anônimo disse…
ALDIR BLANC.
CONTINUO SENDO SUA FÃ,MINHA FILHA JULIANA,AMA AS MÚSICAS DA ELIS,PRINCIPAMENTE AQUELAS QUE VC FEZ.
ALIÁS ELA LHE CONHECEU E CONVIVEU CONTIGO.
LEMBRA DO CD UM CARA BACANA NA DÉCIMA NONA?SINTO MUITA SAUDADESSSSSS!!
SEMPRE ME TRATOU COM MUITO RESPEITO E CARINHO.
OBRIGADA!
Anônimo disse…
ALDIR BLANC.
VC SERÁ SEMPRE ESTA PESSOA MARAVILHOSA E ETERNA.

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