Estreia amanhã "Somos tão jovens"


Thiago Mendonça na pele de Renato Russo em ‘Somos tão jovens’
Foto: Divulgação
Thiago Mendonça na pele de Renato Russo em ‘Somos tão jovens’ 
RIO - Num momento, Renato era o Júnior, o pacato menino que andava de bicicleta pelas superquadras de Brasília. No outro, era Russo, mistura dos revolucionários filósofos Jean-Jacques Rousseau e Bertrand Russell, enfant terrible e líder de uma turma de punks da cidade. E, por fim, o Trovador Solitário, que transformou sua vida e as dos amigos em canções e que mudou inúmeras vidas com elas, à frente da Legião Urbana.
Os anos de formação de Renato Manfredini Júnior, um dos maiores ídolos da música brasileira, morto em 1996, aos 36, são o tema de “Somos tão jovens”, longa do diretor Antonio Carlos da Fontoura, que estreia nexta sexta. Na pele do ator Thiago Mendonça, Renato revive suas inquietações musicais, existenciais, políticas, poéticas e amorosas e dá a chave para a compreensão de algumas das célebres músicas que compôs no período, como “Ainda é cedo”, “Tédio (com um T bem grande pra você)”, “Eduardo e Monica”, “Veraneio vascaína”, “Que país é este?”, “Faroeste caboclo”, entre outras.
— A angústia do adolescente Renato se comunica com a música, que faz com que ele se afirme como ser humano — analisa Marcos Bernstein, autor do roteiro de “Somos tão jovens”, no qual contou com colaborações de Fontoura, do produtor Luiz Fernando Borges (amigo do cantor desde o primeiro LP da Legião, e que deu a partida no projeto do filme ainda em 1997) e de Victor Atherino. — Renato é o garoto que se acha feio, mas que é ousado e provocador.
Coautor do roteiro de “Central do Brasil” e hoje consagrado como diretor de “Meu pé de laranja lima”, Bernstein, 43 anos, chegou a apresentar a Renato Russo, em 1994, após um show, um projeto de filme baseado na letra de “Eduardo e Monica”. O papo não avançou, o cantor morreu menos de dois anos depois. Um dia, Antonio Carlos da Fontoura veio até ele pedir auxílio para o roteiro de um filme sobre Renato, que estava fazendo após associar-se a Luiz Fernando Borges. Nascia, então, “Somos tão jovens”.
— Inevitavelmente, o filme se transformou numa biografia musical. Organizamos uma cronologia razoável das canções e escolhemos as que entrariam ou não. Queríamos entender o que estava por trás dessas músicas e brincar um pouco com esses momentos de inspiração do Renato, tentando não fazer uma coisa totalmente literal — explica Bernstein, que hoje assina também o roteiro de “Faroeste caboclo”, longa baseado na história criada pelo músico em 168 versos, com estreia prevista para 30 de maio.
Ao longo do roteiro, desfilam a família de Renato e os vários integrantes da turma que ele reuniu, como Ana (conjunção de várias figuras femininas que passaram pela vida do cantor, interpretada por Laila Zaid), os músicos da Legião (o baterista Marcelo Bonfá e o guitarrista Dado Villa-Lobos, que é vivido na tela por seu filho, Nicolau) e os irmãos Fê e Flavio Lemos, entusiastas, como Renato, do punk rock com quem ele formaria sua primeira banda, o Aborto Elétrico (com o intempestivo fim do Aborto, os dois criariam o Capital Inicial).
Para encarnar Renato Russo em sua passagem da adolescência para a idade adulta, a escolha recaiu sobre Thiago Mendonça, que tinha vivido nos cinemas o cantor sertanejo Luciano, em “2 filhos de Francisco” (lançado em 2005). Criança nos tempos da explosão da Legião Urbana, o ator fluminense de 32 anos partiu para o trabalho duro na composição “dos muitos Renatos” presentes no filme.
Novos músicos
— A memória de como ele se forjou foi muito importante. Renato tinha voz de comando e experimentava bastante esses seus poderes. Ele sabia o que queria, por ter morado fora do Brasil, por ter lido o que leu. Era uma pessoa de horizontes expandidos — conta Thiago, cujo maior desafio foi aprender a tocar e a cantar como Renato. — Quando o (diretor musical do filme e produtor da Legião) Carlos Trilha viu o jeito com que peguei o violão, percebeu que ia ter trabalho. Mas aí comecei a conviver com ele, a ouvi-lo contar as histórias com o Renato e, quando vi, estava tocando meus três acordes, com coragem para liderar uma banda.
Preparador vocal do elenco e codiretor musical do filme, Fernando Morello conta que ele e Trilha tomaram uma decisão “quase irresponsável”: a de fazer com que o ator cantasse todas as músicas do filme e que as cenas de banda fossem gravadas ao vivo. Mas, para chegar a esse resultado, foi necessário que as semanas que os atores passaram juntos em Brasília, antes da filmagem, fossem empregadas não só num processo de integração mas também na formação de músicos, mesmo que ainda bem distantes do virtuosismo.
— Foi uma coincidência feliz, já que esses atores teriam que interpretar jovens que estavam começando a tocar. Isso deu realismo ao filme — conta Morello.
— Tomei muitos sustos com o Thiago quando ele passava pelo set, parecia mesmo o Renato — conta Borges, um dos amigos mais próximos do cantor, frequentador de suas sessões caseiras de cinema e um dos últimos a vê-lo vivo. — Eu ia viajar e, numa quinta-feira, fui ao apartamento do Renato. Fiquei com ele um tempão. Uma hora, ele olhou para a porta do quarto e disse que tinha uma banda de rock lá. Quem acredita em espíritos poderia dizer que ela tinha vindo para pegá-lo. Ele morreu na semana seguinte.


Matéria de "O Globo" de hoje

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