Sem conto de fadas

Dificuldades no Casamento

Maria Helena Matarazzo

"Ao comparar estatísticas sobre divórcios em diferentes países do mundo, vemos que existem momentos em que ocorre um maior número de separações. A grande concentração de separações ocorrem no 1º ano de casamento, no 7º, no 15º e no 25º. Esses picos demarcam fases bem distintas, de engarrafamento e estrangulamento na estrada da vida. No Brasil, dados estatísticos do IBGE vêm também indicando um grande número de separações entre o terceiro e o quinto ano de vida a dois. O Primeiro Ano - Certos casamentos passam por períodos muito difíceis no início. Pode acontecer um trauma logo de saída: uma perda de emprego, uma doença grave, morte na família, o sogro ou a sogra viúvos que vêm morar com o jovem casal, gerando uma série de atritos e conflitos. São situações dramáticas que estão acima das forças e recursos das pessoas para enfrentá-las. O casamento, então, se desfaz. Outras vezes, o casamento acaba rapidamente por falta de maturidade de um ou dos dois. Com os movimentos de liberação da mulher e sua entrada no mercado de trabalho, as tarefas domésticas foram sendo consideradas menores, coisas de pouca importância. Esse tipo de visão, no início do casamento, pode criar sucessivas crises e frustrações, seja pela incompetência ou despreparo do outro, seja pela falta de solidariedade e companheirismo na divisão do trabalho. As questões profissionais também interferem. Se as pessoas ganham muito pouco e não podem pagar as despesas essenciais, certamente acumularão frustrações que podem gerar brigas e excesso de raiva ("você não ganha nem para pagar a conta da luz"). A falta de maturidade de um ou dos dois para lidar com situações como essa acaba desestruturando o casamento.
Muitas vezes, nessa fase, o casal conta com a ajuda da família para enfrentar as dificuldades do começo da vida a dois. Este apoio pode dar condições para que o jovem casal desenvolva seus próprios recursos e consiga se entender, superando os problemas do início do casamento. Outras vezes, a família acaba por atrapalhar, interferindo de tal maneira que os dois não têm espaço e oportunidade para ir acertando suas diferenças e desenvolvendo sua própria maneira de viver. O Sétimo Ano - Ao longo de sete anos de convivência, o casal vai acumulando mágoas por pequenas e grandes expectativas às quais o outro não correspondeu. Os dois vão engolindo sapos com Ketchup, lagartixas com maionese e cobras e lagartos com mostarda. Mas quando o casamento chega perto do sétimo ano, essas mágoas escondidas costumam explodir - ou implodir. É quando você não agüenta mais, porque reprimiu sua raiva e suas incontáveis desilusões ou porque isso provocou um número infinito de brigas que foram corroendo o amor. É um atrito constante, conflitos em cima de conflitos que vão se avolumando e, por efeito acumulativo, acabam provocando um estouro. E nessa explosão, o casamento pode ir para o espaço. A ruptura pode ser tão grande que não é possível - ou não se quer - continuar juntos. O triste dessa situação é constatar que as pessoas não aprenderam a brigar.
Eu descobri que, mal ou bem, todo mundo vai aprendendo a amar. Mas dificilmente alguém aprende a brigar, a negociar as diferenças, os conflitos. Como isso é uma grande dificuldade, vamos escondendo a sujeira embaixo do tapete. Até que há um transbordamento. Mas em algum momento será preciso juntar os pedaços, ver o que sobrou de um, do outro e da relação. É uma oportunidade de reavaliar o que se fez de errado, o que ainda pode ser transformado e se é possível ainda seguir juntos na vida. É uma crise intensa, dolorosa, mas pode significar o início de um novo ciclo do casamento, construído em outras bases. O Décimo Quinto Ano - Em torno do 15° ano de casamento, as pessoas começam a se questionar, relembrar os sonhos da juventude que não foram realizados e a pensar seriamente se vale a pena continuar investindo no outro e no relacionamento. Esse período de questionamento e redefinição é fundamental. Nesse momento da vida, em geral com os filhos um pouco maiores, passamos por uma profunda crise de identidade. Perguntamo-nos mais uma vez quem sou eu, o que estou querendo da vida e o que estou fazendo com ela. Muitos vão procurar ajuda para poderem fazer um balanço de tudo o que aconteceu, do que se estragou, do que se perdeu, do que pode ser reconstruído ou resgatado. É uma hora de redefinição do futuro e da possibilidade de continuar com o companheiro nessa caminhada. O Vigésimo Quinto Ano - Em geral, a gente casa entre 20, 25 anos e essa crise vai nos pegar na virada dos 45, 50 anos. É a crise da meia-idade. Ela pode levar a um reencontro e uma reintegração do vínculo. Mas pode também conduzir à acomodação ("ruim com ele, pior sem ele"), quando os dois não vêem outra alternativa para suas vidas. Se o casal enreda nas frustrações e se acomoda, o que passa a manter a relação não é mais o cuidado com o outro, a proteção mútua, mas uma espécie de energia negativa. É a raiva que mantém os dois juntos, não o amor. O comportamento é mais ou menos assim: você me agrediu hoje cedo, antes de sair para o trabalho. Eu me senti atacada. Passei o dia inteiro cozinhando aquela raiva em fogo lento. No dia seguinte, dou o troco, com juros e correção. E essa situação tende a se repetir ad infinitum. Se as pessoas, ao longo de 25 anos de vida em comum, não administram seus conflitos nem enfrentam as crises, eles se tornam permanentes. E o vínculo muda de cara, passa a se assentar nessas história de ressentimentos. Então, o casal fica junto apenas para manter as aparências, fazendo uma encenação para os outros. Vive representando para si e para o mundo. Em alguns casos, os dois viram uma espécie de mortos-vivos. Em inglês, há uma expressão muito boa para definir essas pessoas: são os Walking deads, mortos que caminham. O mundo está cheio de walking deads, pessoas que já morreram, mas continuam caminhando pela vida.
A maior parte das pessoas morre aos 50, mas só é enterrada aos 70. Elas vegetam: acordam porque têm que acordar, trabalham porque têm que trabalhar, mas não vivem. Elas deixaram de sonhar e acreditar na vida. Para resolver essas crises, é preciso aprender a negociar os conflitos desde sempre. Não podemos encarar as crises que acontecem em nossa vida e no casamento como situações fixas, imutáveis. Não devemos assinar uma sentença de morte do relacionamento aos 7, aos 15 ou aos 25 anos de vida em comum. Não existem deadline, prazos-limite na convivência a dois. Não podemos traçar linhas de morte nem ficar impotentes diante dos problemas. A negociação dos conflitos é a única solução realmente satisfatória para que possamos reciclar, a cada momento e diante de cada problema, o relacionamento a dois."

(Extraído do Livro " AMAR É PRECISO")

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