Sem medo de ser piegas...


Pai...Paz!

Walnize Carvalho


Há de se ter (como tem) um forte motivo para lembrá-lo neste dia. Afinal, se ainda estivesse entre nós, meu pai ( Waldir Carvalho) estaria completando nesta data, 88 anos.
E é por causa da saudade, que chegou como chuva miúda em dias intermináveis, que proponho falar dele. Não do alfaiate, radialista, funcionário público, escritor e sim do homem atrás do homem, ou seja, seu melhor personagem construído: ele mesmo.
Com nitidez, sua figura esguia se apresenta diante dos meus olhos.
Pareço ver suas mãos... Mãos habilidosas que fizeram vestimentas impecáveis (como honrou sua profissão de alfaiate!); mãos que escreveram histórias ditadas pelo coração e mente; mãos que tocaram violão em saudosas serenatas; mãos que desenharam “sombras” para alegrar as filhas meninas (como esquecer as figuras que foram projetadas nas paredes quando faltava luz?); mãos que até traçaram esboços arquitetônicos (a estante da sala de casa, onde ainda abriga seus livros foi “projetada” por ele); mãos que dedilharam na velha máquina de escrever – fiel companheira – quase toda a sua obra radiofonizada; mãos que teclaram o computador e formataram textos (alguns adormecidos em seu arquivo).
Pareço ouvir seu assobio marcante ao chegar à casa.
Pareço relaxar embalada ao som de suas músicas preferidas.
Pareço escutar sua voz... Pausada, mansa, ponderada. Suas frases inesquecíveis, seus ensinamentos, dos quais punha sempre em prática, pois fez da vida um aprendizado constante de Amor e Fraternidade.
Pareço espiar os seus hábitos diários... A barba feita bem cedo, o rádio ligado, os bate papos vesperais no Boulevard; sua saída e retorno do trabalho; as horas incontáveis em sua biblioteca: lendo, escrevendo, organizando papéis e idéias em momentos de suas criações literárias.
Pareço observar obedecendo a rituais que lhe soavam prazerosos. Certa vez, sentenciou: “O dia tem 24 horas. Divido em 8 para o descanso, 8 para o trabalho e 8 para o lazer. Nestas últimas, subdividido em ler, escrever, estar com a família, meditar.”
Falei em meditação e me recordo que era espiritualista ( fiel seguidor dos preceitos da Ordem Rosacruz) e espirituoso ( embora contido, sabia fazer graça relatando fatos curiosos).E estes fatos curiosos e muitos deles engraçados, que me fazem ir em busca de guardadas folhas de papel de seda ( amareladas pelo tempo) onde releio algumas das suas produções humorísticas para o Rádio:”O Noivado da D.Esperança”,“Dr.Mata A.Machado” em meio a inúmeras novelas...Reencontro também velhos artigos ( minuciosamente arquivados) escritos para jornais locais.
Um homem simples sem ser simplório; afeito a gravatas, avesso a bravatas. Um homem da palavra e de palavra. Um homem grande. Um grande homem.
A saudade se acentua. Caminho até a minha sala. Passo suavemente os dedos sobre: “A Roda dos Expostos”,”O escravo Cirurgião” e outros tantos de sua obra literária.
Abro cortinas. Espio pela janela. Dia frio.sol de inverno.
Recosto-me no sofá ouvindo uma melodia de sua predileção.
Uma infinita Paz me invade.
Pareço sentir sua presença.

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