Peraltices da Natureza

   
                           Walnize Carvalho
  Tenho por hábito acordar cedo.
             Levanto-me e, como a obedecer a um ritual, caminho até a sala. Abro, rapidamente, cortinas e janelas e vou de encontro aos “vizinhos” que fazem morada bem em frente à minha casa. Trata-se de um casal de bem te vis que fez ninho ( já algum tempo)  no poste da calçada.  E lá estão eles - peito aberto - a cantar: “Bem te vi!” “Bem te vi!”
           Sorrio e tomo como saudação pessoal e, até certo ponto, me sinto privilegiada com este contato matinal com seres da natureza. É como se eu estivesse ali a postos para receber a senha de que terei um dia feliz.
          Na temporada de veraneio mantenho a saudável rotina de espiar lá fora e ouvir pássaros matinais (também bem te vis) antes das sete da matina.
            Vez por outra, abro exceção indo adormecer mais tarde, pois me deixo  levar pela conversa descontraída ( com filhos e netas)  na rede da varanda embalada pela brisa noturna.
            Noite de lua cheia, então (?!) é um convite para vê-la nascer imperiosa na linha do horizonte, debruçar seus raios sobre o mar  e no seu posto reinar entre estrelas até o dia seguinte.
            E  em um   dia seguinte a este encontro prazeroso (eu e o telão celestial)  me vi entregue ao sono deixando o relógio biológico descompassado.
            Foi quando, tal qual crianças que adoram “pregar peça” (dar sustos)  os três apareceram: O sol, o vento e a folhagem.
            Pela janela fechada do quarto, através das esquadrias de madeira surgiram sombras, que formavam desenhos. Em plena cumplicidade, o vento empurrava a folhagem e o sol brincava de “pique esconde” vindo refletir sobre minhas pálpebras semi cerradas.
            No silêncio reinante ( afinal passava pouco das oito e a maioria dos veranistas ainda dormia) me permiti ficar por ali  pensando na forma inusitada de despertar.
            Um despertar silencioso bem diferente do que acontece o ano inteiro com a maioria das pessoas.
           Mergulhada em pensamentos, visualizei   o frenesi do dia a dia, onde se obedece ao toque de um despertador; a um chamamento; ao choro de uma criança ou ao som estridente do rádio da casa do vizinho...  
        E tome correria, chuveirada rápida, goles de café sorvidos em pé na cozinha e saídas apressadas, onde a maioria acaba de se arrumar  pelo caminho: são homens que abotoam suas camisas; mulheres que retocam batom  no  retrovisor do carro e crianças mastigando o lanche matinal, ao mesmo tempo, que amarram os cadarços dos tênis escolares.
            Mas, há os não tão (ou até) madrugadores como eu, que acordam naturalmente na hora desejada.
           Calmos e revigorados sentam-se à mesa, saboreiam a primeira refeição do dia,  ouvem, assistem ou leem  o noticiário já saindo de casa  bem informados.
            De tudo, o que é imprescindível é  acordar apaziguado e agradecido por mais um dia fazendo disso um exercício diário de bem viver...
           Acabei por abrir os olhos e, já acordada, fiquei como telespectadora única e de primeira fila das peraltices  da Natureza: o sol,o vento  e a folhagem continuavam fazendo o balé de sombras  em minha janela.
        Levantei-me e caminhei até a área externa da casa.
         Desta vez, quem entrou na brincadeira foi uma flor (do pé de papoulas) que se deixava ser fotografada pelo sol, enquanto na parede sombras se desenhavam.
 A beleza estampada foi a conta de lembrar-me das sábias palavras de D.Hélder Câmara:
“Quem me dera ser leal, discreto e silencioso como a minha sombra” .



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