Saudade:nó difícil de desatar
Walnize
Carvalho
E foi
quando, dia desses, indo à sua casa (onde ainda reside mamãe – sua companheira
de tantos anos) ela presenteou-me com um dos seus adornos: uma echarpe de seda
colorida com o seguinte comentário: - Leve para você. Só peço que não desate o
nó que foi feito por seu pai, com muito carinho para mim.
O
entrelaçamento era de beleza artesanal: uma mistura de laço e nó de gravata.
Belo de se ver; difícil de se fazer e impossível de se querer desmanchar.
Por um
momento vi diante de meus olhos patenteada mais uma de suas artes: a de fazer
nós com perfeição. E foram tantos!... O que era dado na linha da minúscula
agulha em seu tempo de alfaiate; os que fazia com esmero nas múltiplas gravatas
que possuía e – em especial – os que utilizava barbantes para amarrar
embrulhos. Nestes não importava o conteúdo, a embalagem assumia ares de
presente de aniversário.
O certo é
que cada nó possuía um particular detalhe que só ele – meu pai – sabia atar e
desatar.
Voltei para
casa, já com o mimo no pescoço, com lágrimas nos olhos e um nó apertado na
garganta.
Com avidez
fui à estante do meu quarto e busquei o livro “Quase memória”, de Carlos Heitor
Cony, com a certeza de que o relendo encontraria identificação com o sentimento
que me dominava.
Para quem
não leu (e recomendo) o autor “se reencontra com o pai – já falecido há 10 anos
- através de uma encomenda que lhe chega às mãos”.
Fiz a
releitura com emoção e criteriosamente extraio fragmentos que reproduzo aqui
para os leitores:
“(...) Foi
então que olhei bem o embrulho. Só ele daria nó exato e sólido. Só ele fazia
essas pequenas coisas com perícia. (...) Colocava solenidade nas coisas, fosse
apanhar objeto no chão ou fazer a barba, tudo demandava uma técnica que só ele
sabia. (...) Me aproximei para admirar o nó perfeito, justo, uma obra de arte.
(...) Parece exagero louvar um nó, mas o pai era o primeiro a se vangloriar na
arte de dar nó. (...) Olho com admiração, com bruto respeito a obra-prima feita
com aqueles dedos...”
Respiro
fundo. Coincidências? Semelhanças?
Fecho o
livro.
Saudade: nó difícil de desata
Comentários