Peraltices da Natureza
Tenho por hábito acordar cedo.
Levanto-me e, como a obedecer a um
ritual, caminho até a sala. Abro, rapidamente, cortinas e janelas e vou de
encontro aos “vizinhos” que fazem morada bem em frente à minha casa. Trata-se
de um casal de bem te vis que fez ninho ( já algum tempo) no poste da calçada. E lá estão eles - peito aberto - a cantar:
“Bem te vi!” “Bem te vi!”
Sorrio e tomo como saudação pessoal e,
até certo ponto, me sinto privilegiada com este contato matinal com seres da
natureza. É como se eu estivesse ali a postos para receber a senha de que terei
um dia feliz.
Na
temporada de veraneio mantenho a saudável rotina de espiar lá fora e ouvir
pássaros matinais (também bem te vis) antes das sete da matina.
Vez por outra, abro exceção indo
adormecer mais tarde, pois me deixo
levar pela conversa descontraída ( com filhos e netas) na rede da varanda embalada pela brisa
noturna.
Noite de lua cheia, então (?!) é um
convite para vê-la nascer imperiosa na linha do horizonte, debruçar seus raios
sobre o mar e no seu posto reinar entre
estrelas até o dia seguinte.
E
em um dia seguinte a este encontro prazeroso (eu e o
telão celestial) me vi entregue ao sono
deixando o relógio biológico descompassado.
Foi quando, tal qual crianças que
adoram “pregar peça” (dar sustos) os
três apareceram: O sol, o vento e a folhagem.
Pela janela fechada do quarto,
através das esquadrias de madeira surgiram sombras, que formavam desenhos. Em
plena cumplicidade, o vento empurrava a folhagem e o sol brincava de “pique
esconde” vindo refletir sobre minhas pálpebras semi cerradas.
No silêncio reinante ( afinal passava
pouco das oito e a maioria dos veranistas ainda dormia) me permiti ficar por
ali pensando na forma inusitada de
despertar.
Um despertar silencioso bem
diferente do que acontece o ano inteiro com a maioria das pessoas.
Mergulhada em pensamentos,
visualizei o frenesi do dia a dia, onde se obedece ao
toque de um despertador; a um chamamento; ao choro de uma criança ou ao som
estridente do rádio da casa do vizinho...
E tome correria, chuveirada rápida,
goles de café sorvidos em pé na cozinha e saídas apressadas, onde a maioria
acaba de se arrumar pelo caminho: são
homens que abotoam suas camisas; mulheres que retocam batom no
retrovisor do carro e crianças mastigando o lanche matinal, ao mesmo
tempo, que amarram os cadarços dos tênis escolares.
Mas, há os não tão (ou até)
madrugadores como eu, que acordam naturalmente na hora desejada.
Calmos e revigorados sentam-se à mesa,
saboreiam a primeira refeição do dia,
ouvem, assistem ou leem o
noticiário já saindo de casa bem
informados.
De tudo, o que é imprescindível
é acordar apaziguado e agradecido por
mais um dia fazendo disso um exercício diário de bem viver...
Acabei por abrir os olhos e, já
acordada, fiquei como telespectadora única e de primeira fila das peraltices da Natureza: o sol,o vento e a folhagem continuavam fazendo o balé de
sombras em minha janela.
Levantei-me e caminhei até a área
externa da casa.
Desta vez, quem entrou na brincadeira
foi uma flor (do pé de papoulas) que se deixava ser fotografada pelo sol,
enquanto na parede sombras se desenhavam.
A beleza estampada foi a conta de lembrar-me
das sábias palavras de D.Hélder Câmara:
“Quem
me dera ser leal, discreto e silencioso como a minha sombra” .
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