Hífen não é detalhe

Pode um traço de união mudar o pensamento político de um homem?
por Plínio Fraga


Para dizer o mínimo, Bresser-Pereira não é mais o mesmo. A partir de 2003, o primeiro ano do governo Lula, o economista paulistano passou a assinar seus livros com um espetacular traço de união interligando os dois sobrenomes pelos quais é conhecido. Aos incautos, a inclusão do sinal pode ter soado como um detalhe gráfico. Mal sabem eles o que um hífen pode fazer com um homem.
Antes do adorno, Luiz Carlos Bresser Gonçalves Pereira foi ministro da Fazenda de José Sarney, quando apadrinhou um pacote econômico malogrado numa tentativa de conter a inflação com mais um congelamento de preços e salários. No ano seguinte, foi um dos fundadores do PSDB, ao lado de Franco Montoro, Mario Covas, Fernando Henrique Cardoso e José Serra. Ainda desguarnecido de hífen, voltou à Esplanada dos Ministérios no governo de Fernando Henrique Cardoso. À frente da pasta da Reforma do Estado, foi ele quem comandou o enxugamento da máquina administrativa no primeiro mandato do tucano.
Aos 77 anos, o economista diz hoje que foi contaminado pelo neoliberalismo nos anos 90, mas há uma década iniciou uma caminhada que o reconverteu à esquerda nacionalista. Com a publicação de Desenvolvimento e Crise no Brasil: História, Economia e Política de Getúlio Vargas a Lula, festejado entre sua nova grei, o hífen de Bresser-Pereira saiu do armário – e para lá ele mandou suas convicções tucano-liberais.

A justificativa é que o hífen facilitará a identificação nas citações de seus artigos, nas quais passará a figurar como BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos, em vez de PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Faz sentido, mas só agora?
Foi um Bresser-Pereira altivo e pomposo, com a confiança que só o hífen poderia lhe conferir, que adentrou os acanhados salões do Hotel Novo Mundo, no Flamengo, no Rio de Janeiro, na última semana de novembro. Acontecia ali a abertura de um seminário promovido pelo PT, PSB, PDT e PCdoB para discutir a “crise do capitalismo e o desenvolvimento do Brasil”. Foi aplaudidíssimo por decanos do pensamento econômico de esquerda. Nem lembrava o Bresser Pereira que, depauperado do hífen, foi acusado pela oposição de promover a terceirização dos serviços do Estado, acachapar salários dos servidores públicos e ajudar a estabelecer a ordem neoliberal que os tucanos vendiam como modernização.
O júbilo tomou conta da plateia quando Bresser-Pereira analisou a crise monetária da União Europeia como um problema de soberania. “Ou você tem autonomia e decide sobre sua vida ou fica na mão dos outros. Não há soberania possível se você não tem uma moeda nacional”, defendeu, afagado por sorrisos do petista Rui Falcão. Soberania, por troça do destino, era justamente a palavra de ordem que ele desdenhava nos anos 90, quando recebia dirigentes do Fundo Monetário Internacional e era vituperado pelo funcionalismo público.

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