Atendimento à brasileira


Após a morte do meu pai em abril, uma das providências necessárias foi abrir uma conta no Banco do Brasil para que minha mãe possa receber a pensão que lhe é de direito, já que ele era funcionário aposentado do Ministério do Trabalho e Emprego.
Pois bem, achamos que a pequena agência da Rua Voluntários da Pátria seria ideal, já que além da proximidade com a casa da minha mãe, está geralmente com poucos clientes, o que é de grande valia para uma senhora de 80 anos.
Eis que hoje pela manhã, mais exatamente às 9:55hs chegamos, eu e minha mãe, à agência para alguns pagamentos referentes ao inventário de meu pai em andamento, e entramos na fila para pegarmos uma senha.
Logo somos informados que a máquina não estava funcionando, mas não me preocupei, já que nestes casos uma senha manual resolveria o problema, pensei eu.
 Na nossa frente haviam um senhor de uns 60 anos, uma moça com um bebê recém nascido no colo e um rapaz de uns 30 anos. Conversávamos sobre o nada quando me dei conta de que já eram 10:05 e nada da máquina funcionar.
 Como a agência estava vazia, decidimos, os quatro clientes, entrar e nos dirigirmos diretamente aos respectivos caixas, gerentes, etc..., quando fomos convidados a voltar à fila da senha, porque "sem senha não podemos atender".
Olhei o relógio e vi que já eram 10:15hs e nada da máquina funcionar. Me dirigi aos, à essa altura dois funcionários que travavam uma batalha entre fios e conecções com a máquina e que claramente estavam perdendo:
_ Porque vocês não fornecem senhas manuais e continuam a tentar consertar a máquina, já que na fila têm bebê e idosos? Vocês não acham que as pessoas/clientes tem prioridade sobre a máquina?
A resposta veio em tom respeitoso:
_ Atendimento só com senha.
Confesso que perdi a paciência e falei:
_ Isto é um absurdo! As pessoas tem pressa, outras coisas para fazer, eu mesmo tenho que levar minha mãe ao médico e a consulta é às 10:30! Vocês precisar usar de um pouco de bom senso!
Claro que fui olhado com cara feia pelos funcionários. A fila à esta altura bem maior se divide, uns acham que eu estou certo, outros um estressado, mas eu continuei:
_ Nós clientes trazemos nosso dinheiro para o Banco ganhar dinheiro com ele, isto é ridículo!
Como resposta, os dois marrecos engravatados se dirigiram para dentro da agência e logo voltaram com... OUTRA MÁQUINA QUE NÃO FUNCIONAVA!
Enquanto eles tentavam fazer a máquina funcionar eu conversava com o rapaz alto que me dava atenção:
_Isto é um absurdo! Os brasileiros acham isso normal por que não conhecem outra realidade! Estamos acostumados a sermos tratados como cidadãos de quinta categoria, como gado (como dizia meu querido tio Enoch). Eu já presenciei uma pequena revolta em um banco em Minneápolis (em 1980) porque a fila do caixa, de umas 5 pessoas, não andava há uns 5 minutos! Imediatamente apareceram gerentes, outros caixas, etc...
_ O rapaz, mais por educação do que por concordância assentiu com a cabeça, embora calado.
Minha mãe constrangida balbuciou para alguém da fila: _ Ele está muito estressado...
De repente uma voz veio por tráz de mim, da fila.
_ Ele está certo! Eu morei 11 anos e Boston e passei mal quando voltei para o Brasil, e ainda passo com a esculhambação total. Me arrependo todo dia de ter voltado! Me disse um homem nos seus 40 anos.
Pensei comigo: "Também não é para tanto, existem diferenças culturais, não dá para estabelecer alguns tipos de comparação, é claro que existem coisas maravilhosas no Brasil, como os amigos, o calor humano, a família, ... os amigos.........   o calor humano.......................  a família...............................   os amig.................................. o calor hum............................................ a fam.................................................
Preferi olhar para o relógio. Eram 10:30 quando os dois engravatadinhos desistiram de tentar fazer a segunda máquina funcionar e passaram a entregar... senhas manuais.
Olhei para minha mãe, pensei no remédio que ando tomando para a pressão alta e suspirei enquanto passava pela porta rolante...
Como cúmulo da ironia, enquanto esparávamos o atendimento já na fila do caixa, chegaram alguns sindicalistas e se dirigiram aos funcionários a fim de entregar jornais do sindicato. Uma pena eles não terem chegado meia hora antes. Talvez também fossem barrados por falta de senha...
Será? Duvido...
Pensei comigo: "é oficial: a senha é mais importante do que o cidadão!"

Comentários

walnize carvalho disse…
É amigo Cláudio!...
Infelizmente,coisas do Brasil!
Brasil-sil-sil!!!!
Estou gostando muito desses relatos do cotidiano, Kezen. Só te aconselho a não esquecer de tomar seu remédio para a pressão.

Forte abraço
Claudio Kezen disse…
Deixa comigo, Neto! Abçs aos dois amigos!
Gustavo Rangel disse…
tremenda de uma sacanagem

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